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O (novo) senhor CGD e a transmissão de um clássico!


O nome não nos é nada estranho e foi provavelmente um dos poucos Ministros da Saúde a conseguir gerar algum consenso à sua volta. Com fama de gestor implacável, Paulo Macedo vai agora liderar a Administração da Caixa Geral de Depósitos. O maior e um dos mais problemáticos bancos portugueses. Um banco 100% público (detido na íntegra pelo Estado Português) que há muito já atormenta cabeças. O episódio político é uma sucessão de peripécias, que julgávamos não ser possível acontecer com um governo liderado por alguém que, supostamente recolhe tanta experiência e inteligência política como António Costa.


Vamos por partes. O início da série CGD remonta sensivelmente ao já distante mês de Junho quando a administração de José de Matos (antigo quadro do Banco de Portugal e à frente da CGD desde 2011) estava prestes a terminar o seu segundo mandato e que supostamente deveria abandonar os comandos da instituição no dia 31 de Julho. Nada disto aconteceu e a polêmica começa neste, com um governo a não dar instruções à administração de Matos há mais de 6 meses, segundo o próprio terá admitido, e uma suposta urgência de injeção de liquidez. Mas os problemas que, entretanto o banco vinha admitindo não ficam por aqui, a somar à necessidade de recapitalização (desde do final de 2015 que sabíamos que era inevitável mais um reforço de capital por parte do Estado, que sendo o único acionista é sua responsabilidade a injeção de capital) havia ainda a urgência da correção das imparidades geradas pelo crédito mal parado e a necessidade de reembolsar os CoCo’s (instrumentos de dívida subscritos pelo Estado) até 2017.


Com prejuízos há mais de cinco anos, só em imparidades (o termo "imparidades" é relativo à perda de valor de determinado ativo, isto é, quando a quantia recuperável de ativos financeiros é inferior à inicialmente registada e aí diz-se que esse ativo está em imparidade) a administração de anterior contabilizou mais de 5 mil milhões provenientes de operações problemáticas e crédito malparado antigo. Em resultados negativos foram 2 mil milhões, sem esquecer que tudo isto acontece enquanto há um novo quadro regulatório e de supervisão do Banco de Portugal a entrar em funções.


António Costa, perante a necessidade de renovar a administração da Caixa ao seu interesse, escolhe António Domingues, administrador do BPI e também um antigo quadro do Banco de Portugal. A contratação de António Domingues é apresentada por Costa como um gestor "à prova de bala", sem interesse político e de currículo invejável. No fundo, um super-gestor para um super-banco. Criando-se na opinião pública a ideia de que António Costa, com a indicação de Domingues para CEO (presidente do conselho de administração, em bom português), estava a contrariar o largo histórico de nomeações politizadas para a administração da caixa.


Mas não se pense que a nomeação foi passageira e com direito a saída limpa. Domingues impôs condições, algumas foram: a possibilidade de juntar na mesma pessoa a presidência executiva e a não-executiva, escolher na íntegra a sua equipa e, a mais polêmica, a que levou à saída da CGD do colete de forças a que estão sujeitas às empresas públicas e os gestores das mesmas. Assim, foi possível oferecer a António Domingues um salário anual de 423 mil euros, o mesmo que ganhava enquanto administrador do BPI (recorde-se que o estatuto de gestor público aprovado em 2011 em sede de Conselho de Ministros do Governo de Passos Coelho, obriga a que o salário do mesmo não seja superior ao de Primeiro-Ministro), bem como a garantia dada por Centeno e Costa de que, o novo CEO, não estaria obrigado a expor a sua declaração de rendimentos.


Com a aproximação do antigo administrador do BPI à torre de controlo do banco, começou-se a ficar com uma noção mais precisa de quanto é que seria tal discutida injecção estatal. Foi o próprio Domingues que avançou com o número, 5 mil milhões de euros necessários para recapitalizar os cofres do banco público. Atente-se que outra das várias condições que o novo gestor apresentou era a exequibilidade de uma injecção de elevado valor, e aí estava ela, bem acima dos mil milhões que anunciados pelo antecessor, José de Matos, numa das suas últimas comissões parlamentares em que esteve enquanto Presidente demissionário da CGD (José de Matos manteve-se em funções até 31 de agosto por pedido de Mário Centeno até que fosse encontrado sucessor). Domingues esclareceu que tinha chegado a este valor através de informação pública e que a injecção era urgente. Assim, a par da alteração de estatuto, a questão do valor da recapitalização marcou a agenda noticiosa dos meses após o conhecimento do novo rosto CGD, matérias que não se mostraram invisíveis à opinião pública e naturalmente, aos nossos indispensáveis comentadores. O primeiro passo para a garantia de que a injecção iria acontecer foi a ultrapassagem do problema chamado: Direção-Geral da Concorrência Europeia, a DGComp, com a qual foi necessário negociar o plano de recapitalização, dado o facto de a Caixa ser um banco europeu e em reestruturação (segundo Gert Jan Koopman, Diretor-Geral da DGComp, a Caixa está em reestruturação até 2017).


O acordo foi conseguido, um total de 5.160 milhões de euros, através de um investimento direto do Estado de 2.700 milhões de euros e uma participação privada de mil milhões de euros, através de instrumentos de dívida. A nova administração foi, ainda, obrigada a apresentar um plano de negócios/reestruturação que implicaria o fecho de balcões, bem como a redução de até dois mil trabalhadores e o bandono de parte das operações internacionais previstas. Este foi um passo importante para as intenções de Costa e Domingues para a Caixa, pois já no passado a DGComp se mostrara intransigente com as autoridades nacionais à margem da questão do Banif e que, culminou no despedaçamento do Banco liderado por Jorge Tomé e na venda ao Santander.


Esta foi a primeira vitória da entrada da nova administração e consequentemente, do Governo. Quem também levantou pedras no caminho foi o Banco Central Europeu, que colocou reservas à acumulação de cargos que Domingues ambicionava. E, apesar de no dia 17 de Agosto ter dado luz verde ao modelo em que António Domingues assume os cargos de Presidente executivo e não executivo em simultâneo, a mesma instituição admitiu que seria uma solução a prazo, pois pretendia reavaliar a situação ao fim de seis meses. Na ótica do BCE o que estava em causa era a separação clara das funções executivas e não executivas nas instituições que conferem crédito, pois supostamente a separação entre as funções do Presidente do Conselho de Administração e de administrador não-executivo deve ser a norma, esta matéria é relevante dado que são os administradores não-executivos são responsáveis pela fiscalização do trabalho dos administradores executivos.


No entanto, admite a exceção quanto à mesma, prevista nos regimes jurídicos, como é caso português, em situações excecionais e mediante a tomada de medidas de segurança. Uma dessas medidas seria o reforço de poderes dos administradores não executivos ou do número destes administradores, cenário esse que, acabou por não ser concretizado no imediato. Independentemente das circunstâncias criada pela lei portuguesa, o BCE deixou muito claro que pretendia reavaliar o novo modelo de governo da caixa e que podia muito bem "revogar a autorização, se determinar que o resultado da avaliação sobre a persistência das circunstâncias excecionais não é satisfatório”. A intenção do novo senhor CGD em acumular cargos passou pelo crivo do BCE, apesar de o mesmo não se poder dizer da equipa de administração apresentada por Domingues. Algumas das escolhas de Domingues acabaram por cair na avaliação feita pelo Banco Central Europeu, visto que o BCE é também responsável por atestar a idoneidade dos administradores cumprindo o seu papel de supervisor.


A primeira machadada foi dada na vasta equipa que o futuro Presidente quis reunir ao nível de administradores não executivos da Caixa Geral de Depósitos. Dos 19 nomes sondados, oito acabaram por cair na proposta formal apresentada ao BCE. O mesmo fez saber que os oito nomes eram incompatíveis com os requisitos da lei bancária portuguesa, ficou a vergonha de ter de ser o supervisor europeu a alertar as autoridades portuguesas para o cumprimento da sua própria regulamentação. Em cima da mesa estava a acumulação do cargo de administrador da Caixa com cargos na administração de outras sociedades, designadamente não financeiras, situação que restringe a disponibilidade para desempenhar as funções exigidas no novo modelo do banco público. Do lado de fora da nova administração ficou Leonor Beleza (presidente da Fundação Champalimaud e administradora executiva do Darwin's, o restaurante ao lado da fundação), Carlos Tavares (presidente da Peugeot Citröen), Angelo Paupério (presidente da Sonaecom e administrador da Sonae), Rui Ferreira (presidente da Unicer), António da Costa Silva (presidente da Partex), Fernando Guedes (presidente da Sogrape) e entre outros anônimos.


A peripécia maior é a resposta do Secretário de Estado do Tesouro, Ricardo Mourinho Félix, que admitiu mudar a lei para viabilizar os nome chumbados. Só a oposição manifestada pelos partidos à esquerda do PS e umas palavrinhas de Marcelo Rebelo de Sousa levaram o governo a recuar. Acabaram por ficar apenas quatro administradores não executivos: Rui Vilar, Pedro Norton, Herbert Walter e Ángel Corcostegui.


No que há equipa executiva de António Domingues dizia respeito, essa acabou por merecer luz verde. Mas não sem uma recomendação expressa, feita a três administradores, para fazerem formação adicional em banca na Insead (escola de negócios francesa que chegou a ser liderada por António Borges, o antigo consultor para as privatizações do governo de Passos). O regulador europeu fez também um alerta para a diversidade de género nos cargos de chefia, determinando que a administração do banco deverá ser composta em um terço por mulheres a partir de 2018 em conformidade com o "objetivo de género na composição dos órgãos sociais da administração e fiscalização, nomeadamente: 30% de mulheres na composição destes órgãos até ao final de 2018” como refere a norma interna que vigora no banco desde 2015, esta orientação interna da Caixa segue em linha com a resolução que a coligação PSD/CDS aprovou no sentido de promover a diversidade de género nos conselhos de administração das maiores empresas da bolsa, reunidas no índice PSI 20. A nova administração deveria, assim, seguir a orientação da quota de 30% de presença feminina até 2018, algo que a deliberação do BCE em que aprova os nomes para a administração vem reforçar. Com a saída de Leonor Beleza deixou de haver presença feminina na equipa de António Domingues. Na mesma deliberação, as autoridades nacionais são visadas, mais uma vez, para o cumprimento das suas próprias orientações, um segundo descuido de Domingues e Costa.


O momento final da curta vida enquanto senhor CGD, daquele que era apresentado como um dos melhores e um dos mais bem preparados para a exigente função, acabou por custar uma parte considerável do capital político ao Governo de Costa, a estratégia política revelou-se fraca e não contou com a intransigência dos agentes. Com a aprovação do decreto-lei número 39/2016 no conselho de ministros e com promulgação quase imediata do PR (sim, não passou pela Assembleia da República) António Domingues passa a poder auferir uma remuneração ao estilo privado, julgando também que não estaria sujeito a um maior escrutínio e acreditando que não teria de submeter a sua declaração de rendimentos ao Tribunal Constitucional.


O clímax da situação chega quando "alguém" se lembra da lei de 1983 que obriga os titulares de cargos políticos, nomeadamente, gestores de empresas públicas, a apresentar uma detalhada declaração de rendimentos e património ao Tribunal Constitucional para consulta pública.


O problema estava aparentemente na lei e na interpretação da mesma. Costa passou a "batata quente" para os juízes do TC. Os mesmos deixaram muito claro, os administradores da Caixa Geral estão obrigados a apresentar a dita declaração. Domingues perdeu a batalha e fez "birra". No final entregou a declaração, ele e o resto da administração. Quando percebeu que havia perdido o apoio político do primeiro-ministro, decidiu demitir-se. A retirada do apoio a Domingues acontece sobretudo quando se vê uma inédita votação que une Esquerda e Direita ao clarificar a lei de 1983 por recomendação da nota do Presidente da República, publicada no dia 4 de novembro no site da presidência, onde refere: "A Lei n.º 4/83, não foi revogada ou alterada pelo Decreto-Lei n.º 39/2016, de 28 de julho.", admitindo, portanto que a retirada do estatuto de gestor público a Domingues não impede a obrigação do cumprimento da lei de 1983. António Costa, em declaração pública, deixa de forma muito clara que "ninguém está acima da lei". Restaria a António Domingues demitir-se, depois ter lançado o banco a que se propôs liderar para um turbilhão ainda maior do que aquele em há muito anda envolvido.


E chegamos, finalmente, à parte onde o Governo se tenta redimir do sucedido e apresenta Paulo Macedo para a liderança do banco. Extraordinariamente, não se ouviu particular irritação dos partidos à Esquerda do PS, dado que apenas defenderam que o executivo deveria aproveitar a troca na administração da CGD para baixar o salário previsto para o cargo. A figura em questão recolhe, ao contrário do seu (breve) antecessor, mais experiência política, uma vez que foi um nome falado inicialmente quando se especulava sobre a nova administração. Trabalhou na consultora de gestão Arthur Andersen, onde exerceu funções até 1993, integrou a Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal (1994-1996). Fez parte do Grupo de Trabalho para a Reavaliação dos Benefícios Fiscais (1997) e foi membro da Comissão Diretiva da Seguros e Pensões (2003-2004). Docente universitário no ISEG (1986 -1999) e no MBA da AESE, nas Pós-Graduações em Fiscalidade (Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais), em Gestão Fiscal e em Gestão de Bancos e Seguradoras (Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa). Integrou, também, o Conselho Consultivo Empresarial do MBA do Instituto Superior de Economia e Gestão, acreditado pela Association of MBAs, e o Conselho de Orientação Estratégico sobre Economia Informal da Universidade Católica no Porto.


Antes de ingressar no Governo de Pedro Passos Coelho, Macedo foi Conselho de Supervisão do Bank Millennium, na Polónia, e membro do Conselho de Supervisão da Euronext, empresa que gere a bolsa lisboeta. Acresce a formação complementar que fez em 2001 no Programa de Alta Direção de Empresas na AESE, Escola de Direção e Negócios. Definitivamente, alguém que dá esperanças e promessas de fazer o gestor "à prova de bala".


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