“Um relógio sem tempo”
Acordo todas as manhãs a saber que tenho de correr contra as horas do relógio. É levantar, arranjar-me, comer, agarrar no carro e esperar que não exista trânsito no caminho até à faculdade. Pelo caminho, paro na estação para o apanhar, penso em todas as coisas planeadas para o dia, conto com mais umas quantas que vão aparecer de surpresa e, não consigo deixar de reparar nas caras das pessoas por quem me cruzo. De fones nos ouvidos, de telemóveis nas mãos, cigarros na boca e caras desgastadas, consumidas pelo tempo que vai passando e nem nos apercebemos.
Nos dias de hoje, estamos todos demasiado ocupados para reparar nos pequenos pormenores. Caçamos novas aventuras para as nossas vidas, mas esquecemo-nos de que nem tivemos tempo de terminar a corrida de ontem. Vivemos num mundo, em que a cada dia que passa, é menos tempo que temos, mas à medida que ficamos escassos deste bem nas nossas vidas, temos mais coisas para fazer e pessoas a quem atender. Chega a uma altura que se torna difícil cumprir todos os nossos deveres. É o amigo/a que nos convida para tomar café e não conseguimos ir. É aquele filme que passa na televisão, mas estamos demasiado ocupados a resolver outro assunto para poder assistir. São os avós que não vemos há demasiado tempo, pois adiamos sempre mais um dia na esperança de estarmos livres amanhã. É a namorada/o que tem planos para os dois e tu chegas atrasado. São as pessoas que tu vês a afastar-se, porque não tens capacidade de chegar a todos como antes. São os que cada vez menos acompanham a tua vida ou os que se afastam completamente, por acharem que já não queres saber deles, quando na realidade tu nem sequer tens tempo de te olhar ao espelho e reflectir o que te está a acontecer. O tempo consome-nos e isso é um facto.
A juntar ao entrave anterior, podemos referir ainda que, todos sofremos de um mal e nem nos apercebemos, o egoísmo. É muito fácil estar na posição do amigo que reclama porque não tens tempo para ele, mas é difícil pôr-nos no lugar do outro e pensar que este também pode ter saudades nossas, porém não tem mesmo possibilidade de nos presentear com a sua companhia. É difícil compreender que não somos o centro do mundo de alguém, por muito que isso fosse algo que nos enchesse de felicidade ou aumentasse o ego, dependendo dos casos. Julgamos, forçamos, chateamo-nos e tudo porque as coisas não são como queremos. Quando na verdade, nos devíamos preocupar mais em dar a volta às situações. O facto de não haver tanto tempo, não significa que não tenhas tempo nenhum. O facto de não estares com aquela pessoa como desejavas, não significa que já não gostes dela. O facto de chegares atrasado, não significa que tenhas de sair a horas. Tudo depende do esforço que lhe aplicas.
Temos de ser ambiciosos, mas ao mesmo tempo, preservar a vida que tínhamos antes. Acho que todos procuramos o equilíbrio da vida e ainda não chegámos a nenhuma conclusão. Estamos todos muito ocupados a pensar qual será o segundo prato que vamos comer, quando nem sabemos se acabamos o primeiro. Queremos ganhar o máximo possível, sem ponderarmos o que podemos vir a perder pelo caminho.
É bom ter sempre mais, só que a verdade, é que isso, muito provavelmente, nos trará umas quantas dores de cabeça. No fundo, acho que o truque é não nos deixarmos engolir por todas as propostas que o mundo nos põe à frente dos pés. É saber saltar por cima do que não nos interessa. É chegar a casa e saber que te esforçaste por ver quem tinhas de ver, por dar um beijo e um abraço a quem te faz feliz, por passar naquele sítio de que tanto gostas, de ter tempo para perder tempo com nada. Porque afinal de contas, ao fim do dia, volto a regressar a casa cansada, descalço os sapatos gastos pelo tempo em que ando por aí e sei que não consegui fazer tudo o que queria. Sei que sou uma pessoa demasiado impontual para o tempo que tenho e é então que fico a pensar, será um relógio sem tempo que quero ter no pulso?