O fim do "Business as Usual"
Qualquer pessoa que nos últimos dois meses não tenha vivido debaixo de um penedo, no zénite do Everest, com uma das imensas tribos perdidas, ou nas profundezas do vasto oceano onde nem sequer imponente Neptuno se aventure - apercebe-se de duas coisas óbvias, por um lado a Síria continua na sua lenta, dolorosa e aparentemente, inexorável caminhada para um deserto, quer humano, quer em qualquer ambição, uma espécie de férreo inferno na terra, o qual só Hieronymus Bosch clarividência suficiente possui, ao visionar no painel esquerdo da sua obra prima, Jardim das Delícias, com clareza, o que é o pão nosso de cada dia para o Sírio.
Por outro lado, é do conhecimento ubíquo que a política Americana uma vez mais "grande" se tornou, e que o legado de o candidato da audácia da esperança, o candidato da mudança de 2008, efectivamente do outro lado da parede que a 20 de Janeiro se edificar. Trata-se do completo repúdio da doutrina Obama - "Leading from Behind" - uma concepção de ação politica que se vivo fosse fosse, de Maquiavel teria ardente vitupério, ao sendo uma política macromanegerial, que procura o consenso e não demonstra qualquer semblante de liderança executiva determinada, mas sim uma concepção conclavista de liderança escrupulosa e apaziguadora - tudo menos irreverente e provocadora.
Farto do Business as usual, o eleitorado Americano jogou a sua "Trump card" numa eleição, que visto a sua incredibilidade e cujas exuberantes reviravoltas mais adequadas se pareciam com uma boa visita ao casino - pois não só foi uma "Trump Card", o candidato inesperado, mas sim o completo "Royal Flush" ao modo de fazer política dos últimos oito anos - a violenta implosão do zeitgeist ideológico e o rebentar da bolha de uma ilusória visão do Mundo.
Trata-se de um Mundo em radicalização. Precedendo o enviesamento à linha mais populista no Mundo Ocidental - a tomada do Mundo árabe secular, primeiro pelo iníquo Baathismo de Michel Aflaq e Salah El Din, concuminado pelo execrável e nitidamente abominável perigo da tomada do Iraq pela al Quaeda, da Arábia pelo Wahabbismo, da Pérsia pelos Ayatollas, do Afeganistão pelas Mujahideens e agora, do Mundo Árabe inteiro - tomando de refém muito do Mundo - pelo Daesh. Embora o perigo do Daesh seja pervasivo e de grande aflição - é o particular falhanço da doutrina Obama na terra Natal de Aflaq - na antiga pérola da Mesopotâmia e último bastião da ideologia que concebeu sobre a liderança da dinastia al-Assad, Hafez, mais tarde, Bashar, desta antiga jóia do Mediterrâneo, feita no caco do Médio Oriente. Muitos males sortiram desta ideologia, o massacre de Halabja por parte do infame líder do Iraque, Saddam, o massacre de Hama por parte de Hafez, e o interminável terror de guerra imposto na amedrontada, faminta e moribunda população Síria, ao longo destes conturbados últimos 5 anos de uma guerra que começou como simples manifestação pacífica por humilde liberdade, algo que com muitos bons olhos seria visto por Mohandas Gandhi, Martin Luther King, ou Henry David Thoreau.
Contudo, Assad demonstrou-se um "príncipe" sem escrúpulos, ao nível de Cesare Borgia, contudo, levando ao precipício. No passado, aqueles que outrora se exaltavam e orgulhavam de "Líderes do Mundo Livre", ao intervirem em questões bradantes aos céus, e à dignidade humana, como foi a intervenção na Campuchea, atual Camboja, quando o "Leviatã" Khmer Rouge se demonstrou como exatamente como provocador de um estado de natureza primitivo e vil, um reino de terror a par do de Robespierre após a Revolução Francesa, ou as semelhantes intervenções de impedimento de genocídio, como na Bósnia e Iraque, sendo o Rwanda a gritante exceção. No entanto, esse não é o escopo da doutrina Obama.
A doutrina Obama é marcada pelo falhanço de garantir o sucesso após intervenção, a Anarquia na Líbia surge em mente, a resignação ao "reino" opressivo de Al-Maliki no Iraque que leva ao surgimento do Daesh, a capitulação ao Irão e Cuba, por fim, o debacle na Síria, onde inúmeras "mandatos" à intervenção Ocidental se apresentaram, como o vil gaseamento da população em Damasco em 2013, diretamente pelos lacaios de Assad, cuja resposta pela Administração Obama foi de "Business as usual"/ it is what it is/ go with the flow - em suma, o apaziguamento. Um apaziguamento, despreocupado e desconcerto que só levou a um prolongamento de uma guerra que só levou ao continuo massacre da população e por novos adjudicadores de tirania - além de Assad, a Rússia e o Daesh. Trata-se de um dia de infâmia quando o longo e custoso esforço por parte da coligação democrática - que muito pouca ajuda internacional esboçou, vê a esperança morrer cruamente e capitular à carnificina que logo após a sua vitória no teatro de guerra de Apelo, Assad impôs.
Não obstante, trata-se de um Zeitgeist, uma agenda política que terá um sumiço fim, batendo na dura parede de realidade que se erguerá em janeiro e que para melhor ou pior - será substituído por toda uma nova abordagem. Trata-se do fim do Chamberlain, mas será substituído por um Churchill visionário ou um Anthony Eden, que ao leme de um poderoso Império Britânico consegue ser derrotado pela estratégia emergente de um ambicioso Nasser no Suez.
A questão coloca-se: será que Trump se imporá, com visão e vigor, às grandes questões de ordem que pelo Mundo se colocam e auguram, ou será que se resignará à pressão do Mundo? Bill Gates dá-nos alguma esperança logo à partida - dizendo que Trump será um visionário ao nível de JFK - no entanto será numa medida de sucesso, como foi a crise dos Mísseis Cubanos ou será isto um discreto mau presságio suíno?
Tempus erit!