O Saudosismo Socialista
O sentimento de nostalgia é uma experiência transversal a todos os seres humanos. A sua presença manifesta-se de intensidade e frequência diferentes para as diversas pessoas, mas o seu papel como uma das várias componentes da complexa natureza psicológica humana é inegável. A possibilidade de compreensão de tal fenómeno na sua totalidade é, sem dúvida, um enorme desafio. Apesar disto, existem algumas tentativas de explicação para as diferentes experiências sociais em que ocorre. Um desses casos, que irá ser analisado em seguida, é o sentimento de nostalgia em relação aos aspectos do paradigma socialista existente durante o período da Guerra Fria, nomeadamente aos aspectos da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.
Recuemos no tempo até ao dia 9 de Novembro de 1989: o dia da queda do muro de Berlim. Este acontecimento acelerou o presságio que se veio a confirmar em 1991, a queda da União Soviética, o principal baluarte da utopia comunista. Com a morte desta, assistiu-se também à morte de todo um modo de vida, não se cingindo única e exclusivamente a um mero acontecimento político. A passagem de uma economia estatal planificada, para uma economia de mercado, alterou profundamente a lógica organizacional social do Leste Europeu. De repente, o ainda ‘’homo sovieticus’’ vê-se defrontado com um novo desafio, mas desta vez sozinho e sem a presença do Estado que o protegia. Toda a devoção pregada por este último aos seus súbditos, o orgulho exacerbado e inquestionável à causa socialista, toda a estética propagandística presente em todos os aspectos do quotidiano esvaneceram por completo, tornando-se numa memória, numa quimera e sonho de outrora. Com isto desapareceu também o sentimento de união, de pertença a uma causa comum e de comunidade, abrindo espaço ao individualismo característico de uma sociedade capitalista. O desaparecimento destes valores e a difícil adaptação aos novos criou no ‘’homo sovieticus’’ um desnorteamento total, caracterizado por uma crise de valores e um niilismo cultural. O Estado assumia o papel de pregar a importância de cada indivíduo, o valor inerente à sua vida e a importância dela face ao objectivo comum do ideal comunista. O cidadão que acreditava nestes ideais sentia-se completo e com significado. O desaparecimento desta pregação por parte do Estado socialista criou nesse cidadão um vazio completo. Ora, como forma de suprir esse vácuo, ressurgiu o recurso ao ópio das massas: o Estado omnipotente e omnipresente é substituído pela igreja e a imagem e culto ao Lenin dá lugar aos ícones religiosos. A religião passa a ser o único amparo contra as forças selvagens do capitalismo e a nostalgia em relação aos ‘’velhos tempos’’ torna-se no último refúgio.
Passados todos estes anos, toda esta longa tentativa de adaptação ao novo paradigma, a ferida deixada pela queda da URSS prevalece fresca, pouco parece ter mudado desde 1991 para um punhado de pessoas de países do Leste da Europa, a apatia em relação à abrupta desconexão entre o Estado e o cidadão permanece, neste último, as condições precárias de vida mantêm-se e a corrupção das elites governantes intensifica-se. Tudo parece estagnar aos olhos destes indivíduos, nada parece mudar.