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O Futuro ao virar da esquina...


Sempre que a conversa remete de alguma forma sobre aquilo que será o futuro dos nossos dias, o tema dos robôs acaba a determinada altura por aparecer. E é quando damos de caras com a possibilidade de, um dia, contarmos com tais criaturas não dotadas de existência que as mais diferentes visões se corporizam. O cinema já tratou de organizar devidamente as diversas perspectivas, umas das mais incómodas (e temíveis) é aquela que surge no "I, Robot" (2004) de Alex Proyas, onde em 2035 a humanidade se serve dos robôs como se de um utensílio doméstico se tratasse, até que um deles comete um crime. Uma vez dotado de inteligência, o limite não existe e a razão pode pregar-nos partidas. Podemos sempre optar por um com emoções, como os que surgem em "A.I. Artificial Intelligence" (2001) de Spielberg (uma criação baseada numa ideal inicial de S. Kubrick, aliás, em todo o filme se nota a inspiração do mestre Kubrick) ou uma versão mais moderna e perigosa como a descrita em "Ex Machina" (2015) de Alex Garland, no qual uma humanoide (um robô que simula a forma humana) dotada de inteligência artificial é capaz de simular emoções e manipular humanos, com recurso à informação de um motor de busca. Entre séries, livros e filmes, fomos construindo a visão de Futuro.


Um exercício de erguer uma outra sociedade (caricaturando a nossa) como nas ficções do Orwell ou do Huxley, ou simplesmente, o relato de aventuras do futuro, como fez Júlio Verne que pôs o homem a dar a Volta ao Mundo em 80 dias (1873) ou sonhou muitos antes dos americanos aspirarem a tal feito com a ida Da Terra à Lua (1865). O que é certo é que a tentativa de olhar o futuro com a lente do presente é algo que já se faz desde o século XIX, antes de Verne, só mesmo Mary Shelley com a publicação de The Last Men (1826) e que antes de dar luz ao seu livro de ficção mais futurista, criou uma das mais monstruosas criaturas da literatura anglo-saxônica em Frankenstein (1818). Apesar do seu carácter alternativo, face à realidade presente (a ficção de The Last Men acontece em 2073, onde o reino por abdicação do rei se transformaria numa república) a obra de Shelley permanece sobretudo como reflexão dos limites do progresso científico.


Antes de Shelley, é possível, contudo, encontrar pioneiros na arte de apontar direcções ou críticas para o futuro. Indo até ao século II, encontramos Luciano de Samosata (120 a.c - 200 a.c), autor de A História Verdadeira. Obra onde se tece uma crítica à narração de episódios fantasiosos nas fontes históricas, sendo esta, na mais elementar essência o repudio da História em que se ofereciam acontecimentos fantasiosos ou míticos como verdadeiros. Para tal, Samosata recorre a relatos de viagens ao espaço, extraterrestres e guerras entre planetas para parodiar o abundância do mito e do fantasioso naquilo que se tomava por factos. Apesar dos mais de 80 livros, Samosata é irrelevante para a história da ficção científica ou de qualquer outro espaço literário que contribua para o exercício de olhar o futuro.

O que me leva a redigir este texto muito pouco tem a ver com ficção científica, na melhor das hipóteses, pode o leitor admitir que o que trato a seguir poderá já ter sido matéria de ficção passada. O facto é que hoje, mais do que nunca, o Futuro está ao virar da esquina. Exemplo disso é o supermercado idealizado pela Amazon, o Amazon Go, o primeiro supermercado físico da gigante de vendas online que, de momento, está apenas aberto aos funcionários da empresa, mas espera-se que abra ao grande público em 2017. Com recurso à tecnologia "Just Walk Out" (sensores e algoritmos de inteligência artificial, semelhante ao que é carros autónomos) o supermercado facilita a vida aos utilizadores, sendo apenas necessário passar o telemóvel à entrada, tirar o que se quiser da prateleira e ao sair receber a fatura no telemóvel. O essencial é ter um smartphone com a aplicação da Amazon e dinheiro na conta, os produtos que o cliente deseja levar no saco são registados por sensores espelhados pela loja, desta forma não corremos o risco de pagar por coisas que não levamos ou vice-versa.


O vídeo que a marca lançou resume com toda a simplicidade a substância da "coisa". Naturalmente, este é um supermercado do futuro, ou pelo menos, o início dos supermercados do futuro. As baterias foram imediatamente apontadas ao facto de, mais uma vez, contribuirmos de alguma forma para a delegação para segundo plano da mão-de-obra humana. Críticas que não recolhem importância, dado que o supermercado continuará a precisar de funcionários para repor stocks ou assegurar que ninguém leva mais do que aquilo que pagou. O vídeo de que falo mostra precisamente isso, logo no início é possível ver funcionários devidamente identificados, e se atendermos a este factor, reparamos que o contacto humano ou a típica conversa de supermercado não passa a ser inexistente. Desaparece o típico drama das filas e a conversa continua a ser possível, visto que, o cliente precisa de navegar pelo espaço para encontrar os cereais tão desejados ou o vinho para o jantar de logo à noite. Nada que seja particular gritante para a extinção das mais típicas formas de contacto entre os sapiens. O passo que agora a Amazon pretende dar é somente um factor inevitável para o alcance a desmaterialização do dinheiro. Algo que há muito já se coloca em cima da mesa.


A teoria já não é nova e desde 2014 que se passou a depositar uma inabalável fé no que se poderia fazer com recurso a um simples smartphone, o advento da modernidade revelou-nos uma certa dimensão minimalista ao preferirmos um pequeno aparelho com ligação à Internet e que por herança da necessidade, também permite fazer chamadas, face a outros objectos maiores. O acessório do smartphone de hoje e do de amanhã já não é a internet, nem as aplicações, mas sim as chamadas e os sms, pois a internet alicerçou em si uma vastidão de possibilidades, uma grande árvore que a todos pode conectar (mesmo o que poucas ou quase nenhumas hipóteses tem, dê-se como exemplo o Freedom 251, um smartphone desenvolvido na Índia com um design muito semelhante aos topos de gama da Huawei e que custa apenas 3,25 euros, fabricado pela Ringing Bells com a pretensão de apenas satisfazer as necessidades do mercado local) e que só as redes sociais podem materializar.


A dualização do mundo em duas partes, a que está conectada e a que não está é a dicotomia central na actualidade. Não digo com isto que tudo o resto é superficial, a diferença é que a todas as dicotomias já existentes, a internet e em especial a acessibilidade projectada pela tecnologia móvel que tornou tudo isto possível contribui e reforçou as várias já existentes.


Estou certo de que voltarei a escrever sobre o Futuro, pois ele parece estar sempre ao virar sã esquina. Algo que nos devem remeter sistematicamente para uma atitude permanentemente reflexiva sobre nós próprios e os trilhos que diariamente traçamos.


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