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"Compagnons de Misère"


A filosofia sempre foi um dos meus maiores interesses, quando a conheci, odiei, não via sentido. As grandes questões metafísicas não tinham uma resposta certa e isso para mim não fazia o mínimo sentido. Para quê procurar interessar-me por questões para as quais não tenho resposta para? Afinal o que estava eu a aprender, a questionar-me? Não valia a pena perder tempo nisso. Áreas como biologia, física ou História eram mais interessantes, pois eu só tinha que aprender e colocar em práctica, aprender, colocar em práctica. Adorava... E era bom nisso. Mais tarde, com o tempo, apareceram questões que me atormentaram e ainda hoje me atormentam. Penso que todos, pelo menos uma vez na vida, nos questionamos. Questões como, o que é a vida? O que faço eu aqui? O que é a morte? Haverá vida para além da morte? Não se trata de uma análise restricta à filosofia, mas sim uma reflexão, após os últimos acontecimentos no mundo, que me levou a uma questão.


O ser humano desde cedo destacou-se dos demais seres vivos, produto de uma evolução, ganhou capacidades que se revelaram ser a chave para chegarmos ao topo da cadeia alimentar e de uma hegemonia total sobre os outros animais e plantas. A linguagem, a inteligência, o pensamento abstrato e a consciência, entre outras capacidades, permitiram-nos chegar até hoje. Criámos grandes civilizacões, impérios, organizações, etc... o que demonstra que em grupo aprendemos a atingir grandes feitos. Alcançámos terras desconhecidas, atravessando oceanos, habitando-as por conseguinte e sempre imperando sobre os seus locais, fossem outros homens ou animais. Criámos estruturas que nos permitem hoje comunicar, instantaneamente, 24h. Temos grandes construções e sistemas de transporte sofisticados. Exploramos o espaço, chegámos a Lua, planeamos ir a Marte... Sem dúvida que o homem evoluiu tecnologicamente mas, por outro lado, parece que regride cada vez mais, socialmente. É como se, para estes dois campos evoluírem em simultâneo, tivessem que crescer em harmonia. Se procurarmos demasiado um, então não poderemos ter o outro. Um exemplo disto seria o caso da exploração de terras e mão de obra em países menos desenvolvidos, afim de obter os materiais mais baratos que permitem fabricar mais telemóveis, a preços cada vez melhores, para que uma parte da população tenha ao seu alcance o melhor produto da evolução tecnológica. A qualidade de vida, fruto da evolução da tecnologia, aumenta para uns, mas diminui para outros. Estamos cada vez mais distantes de "nós" mesmos.


Destrui-mos habitats, levamos animais à extinção, saturamos o nosso planeta de actividade destructiva, resultando num excesso de poluição que se estende desde os oceanos à atmosfera e, isto tudo, para procurar o quê? Melhor qualidade de vida? Que idiotice. A qualidade da nossa vida vem de dentro e não de fora, não é o melhor colchão que me faz dormir melhor, mas sim a pessoa que está ao meu lado, não é o casaco de pele ou uma jóia nova que me faz sentir mais elegante, mas a elegância que vejo em mim. Não é ter um telemóvel novo com câmara avançada e rápido CPU que me permite comunicar com os meus amigos, mas sim a existência deles. O mesmo com uma casa maior ou um carro mais rápido, nada disso importa se não houver com quem partilhar.


Quero aproveitar o caminho que o texto está a levar e deixar uma breve reflexão sobre o Natal.


O meu coração permiti-me gostar do Natal, mas a minha razão não me deixa, isto porque se pensarmos bem no que é o Natal, primeiro deparamo-nos com a mudança do seu conceito, a sua alteração de significado ao longo dos séculos. Depois, deparamo-nos que essa mudança trouxe uma "névoa", encobrindo os seus valores e atitudes históricas por outros sem a menor importância. O Natal em que vivemos está repleto de hipocrisia e, o que começou por ser uma cerimónia religiosa, até na casa das pessoas, é hoje uma cerimónia resultante do imperial consumismo, com um pinheiro anão rodeado de presentes docemente embrulhados. Até a sua figura se alterou, é hoje mais gordo, mais velho, apresenta uma vestimenta vermelha e uma barba branca que me faz lembrar os marxistas. Felizmente os restantes valores mantêm-se, pena ser uma vez por ano. Se reflectirmos bem, o Natal não passa de uma época onde é importante relembrar ao homem hóstil e egoísta que deve amar e partilhar. O Natal é apenas e somente isto, não existem ofertas materiais, ninguém pensou no Natal para fazer as pessoas correrem para os centros comerciais à procura de objectos que darão uma felicidade temporária a um terceiro. A verdadeira oferta está na presença, no perdão, no amor e na partilha dos momentos e conhecimentos. Por isto é que se diz que o Natal é quando o homem quiser (já o dizia o meu professor de Filosofia, embora nunca tivesse entendido), porque o Natal é somente uma época de amor, partilha, tolerância, perdão, caridade. Mas essa época deve alongar-se por toda a nossa vida.


Voltando ao tema principal. Na verdade, o ser humano evoluiu muito pouco. Continuamos com guerras e conflitos, discriminação e intolerânçia, parece que nunca mais aprendemos a viver em comunidade, numa comunidade global. Parece impossível que todos estes males se resolvam. Há uma sucessão de erros, uma destruição contínua. Porque é que o homem é tão destrutivo? Porque é que erramos mais do que acertamos? Seremos nós um erro? Será a nossa criação um erro?


Corrijam-me se tiver errado. Na religião, a mulher sempre foi considerada inferior, não era igual ao homem. Se Deus realmente existisse ele não faria as coisas desta maneira, pois é um ser superior em todos os sentidos mas, este, neste "pequeno" ponto, parece ter errado. Entre outros erros... o mais ávido ateu que os enumere. Se os deuses erraram, seremos nós o fruto de um erro de criação? Seremos nós os seus maiores pecados?


Desta forma e, olhando o mundo à volta onde natureza e animais vivem em harmonia, só o homem está mal aqui, só o homem é que não encaixa. Se temos um criador e, considerando Deus um ser perfeito, omnipresente e omnipotente, é possivel que tenha errado? Penso que sim e, o resultado está à vista, mas mais acrescento, se o criador fosse Deus então não erraria, pois deixaria de o ser. Bom, só me resta presumir que é fruto da nossa criação e não algo independente do espaço-tempo de um pré-universo. Mais, dado que nós não somos um ser perfeito é muito provável que a nossa concepção divina também não o seja. Deus sou eu mesmo à procura do meu melhor, Deus és tu mesmo à procura do teu melhor, Deus está dentro de cada um de nós, pois é fruto da evolução do nosso pensamento, do nosso intelecto. Se Deus realmente existe e, como aprendi, somos feitos à sua imagem, não fazia sentido que o resultado das nossas acções fosse diferente?


Somos um constante desiquilíbrio, uma tentativa de amar e ferir cíclica e nunca estamos satisfeitos. Procuramos a felicidade, mas quando a encontramos nunca é como esperávamos, fugimos do sofrimento, mas ele captura-nos sempre e é curioso que dói sempre mais do que estávamos à espera, curioso também que não crescemos realmente com o que nos faz feliz, mas sim com o que nos faz sofrer, é o sofrimento que nos faz cair, levantar e evoluir. Não evoluímos sem sofrer, parece ser inerente ao homem. Parece-me também que isto não passa de uma crueldade sem sentido, sem razão, imposta pela mera existência. Somos imperfeitos e, na nossa constante busca por felicidade e amor, acabamos por sofrer muito mais que do que esperávamos.


Acho que se compreendermos esta condição humana de que, de certa maneira, nascemos para sofrer (e amar, mas sofremos sempre mais do que amamos) iremos ver que os erros humanos são naturais e, com isso, compreender o homem numa "luz" diferente. Compreender que temos de ser mais tolerantes, pacientes e caridosos uns com os outros, devemos isso a nós mesmos. Somos "compagnons de misère", como disse Schopenhauer.


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