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A geografia dos novos tempos...


Nas notas finais de 2016, publicadas neste mesmo jornal, apresentei uns breves apontamentos sobre o mundo do pós-verdade, alicerçado no espaço virtual proporcionado pelas redes sociais. Um espaço onde "quase" passou a ser exigida a participação de todas e todos, de dimensão circunstancial e no qual a elevação linguística, intelectual e social de muito pouco importava. É certo que 2016 ficou com uma superficial marca de água do pós-verdade e 2017 não promete estancar a hemorragia. Há que perceber que a esta nova dimensão da comunicação acrescem ainda outros inúmeros factores tais como o declínio dos média, o aproveitamento dos factos em proveito de algo ou alguém, a ausência de relevante exigência na elaboração da opinião e/ou narrativas sociais.


Factores que há muito já seguiam a sua linha de vida e a que as redes sociais dão outra margem mediática e velocidade. Bastará dar conta do milagre da multiplicação das notícias falsas (as também apelidadas de "fake news"), mecanismo que já foi explicado no texto para o qual faço referência mais acima, mas que não deixa de merecer a devida atenção mais uma vez, visto que a questão é que cada vez mais se revela evidente que o fenómeno está a consumir a já débil credibilidade dos média e por acrescento a qualidade de construção de pensamento, situação que levará necessariamente ao enfraquecimento da qualidade da democracia global. Há casos de vários jornais que recorrem a contas de redes sociais para elaboração de notícias, não verificando a veracidade de fontes e da informação. Tudo é feito a uma velocidade atroz e com recurso a uma técnica descuidada e ingénua.


As redes não passaram a ser refúgio de ninguém e muito menos são o advento do fim do mundo ou da decadência da civilização, simplesmente, permitiram que os fenómenos passassem a decorrer no seu interior, com mais velocidade e intensidade.


De há muitos anos para cá que o facto de ser capaz de expressar opiniões com estrutura, qualidade, correcta e adequada utilização da Língua Portuguesa é coisa para minorias, facto que se revela como uma evidência quase inquestionável. Evidências essas que parecem querer demonstrar que a simplificação constante da cultura, da língua e da educação (e repare que não estou a colocar o paralelo com a dimensão da vida social e das formas de relacionamento interpessoal, essa também mais simples e mais flexível nos métodos e nas formas) conduziu a uma regressão (quase uma negação) da necessidade e exigência na formação de cidadãos mais conscientes da realidade em que existem e cuidadosos na forma de se expressar e elaborar pensamento, algo em que a "Igreja Universal do Empreendedorismo" tem a sua quota de responsabilidade. Uma cultura que passou a admitir o erro, não como urgente na correção, mas como algo natural e irrelevante. Para tal, basta dar uma olhada nas centenas de publicações em Facebook e Twitter e dar conta de uma monumental quantidade de pontapés na língua portuguesa, na boa educação e no bom senso.


Este é também um movimento que acompanha parte da elite nacional, normalmente, os menos letrados. Desculpamos o erro da classe política com relativa facilidade, a revolta e o protesto é temporário, e de seguida aparece o riso e alegria com o à vontade de alguns agentes políticos. De selfie em selfie, uns vão salvando a pele, mesmo que antes tenham proferido disparates, já outros não acolhem tamanha adesão, mesmo que o esforço seja no sentido de evidenciar alguma coerência. A crónica social dos dias correntes continua igual aos tempos de Carlos da Maia, apenas um pouco mais técnica e apalavrada e com um substancial défice de ideias.


Faz algum tempo que o jornalismo se encontra nas ruas da amargura, falo do jornalismo como carreira e sobretudo, como forma de actuação em prol da verdade, da verdade dos factos, das investigações e da opinião (porque também se pode fazer verdade com opinião, desde que se contribua com abrangência e conhecimento de matérias). A pressão do mercado infligiu no sector uma política de baixos salários, precariedade e falta de ética, algo a que o resto não é alheio pensando no mercado literário com o exemplo da "prosa de aeroporto" a dominar os top's de vendas. Melhor jornalismo implicará sempre ter melhores jornalistas e remunerados em devida condição, o mesmo se aplica aos restantes profissionais. Professores, médicos, investigadores, magistrados e tantos outros não são, hoje, remunerados devidamente pela sua importância social. Seja-se de Esquerda ou Direita certamente se concordará com a veracidade da realidade, bem como, com a necessidade de se inverter o ciclo.


Voltando ao caso da imprensa, encontramos hoje redacções despejadas dos seus melhores quadros, desaparecimentos causados pela queda de vendas ou porque não se lhes pode oferecer melhor remuneração. O problema é também particularmente gritante no acesso à profissão, de estágio em estágio, o jovem jornalista é obrigado a vasculhar no "lixo" e a escrever peças que interessem ao mercado da pobreza intelectual. A grande diferença é que hoje o jornalista sénior é também convidado a fazer tal barbárie, não querendo correr o risco de ser dispensado.


É urgente melhorar a dignificação da profissão, assegurar que existe uma enorme escrutínio da informação e sobretudo, assegurar o papel dos média na solidificação democrática. Decorrerá entre os dias 12 e 15 de Janeiro o 4º congresso dos jornalistas, o primeiro desde há quase 20 anos, veremos o que de lá sairá...


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16ª Edição Revista Pacta

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