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A ti, futuro




Hoje, lembrei-me de te imaginar. Ainda nem te conheço e já fujo de ti. Digo fugir, porque não és a pessoa mais desejada neste momento; ainda quero fingir-me de criança por muito mais tempo e quando chegares, já sei que não o vou poder fazer; tenciono também alimentar-me de muitas mais palavras até te encontrar, isto porque o fermento da distância não se distingue, propriamente, por ser o nosso braço direito.


Perco, entre os dedos, a contagem das cartas que nunca te escrevi. Tantas foram as vezes que te quis alertar para o professor que estava quase, quase a apanhar-te em flagrante nos teus auxiliares de memória; as vezes em que te quis dizer “eu avisei-te”; as vezes em que desperdiçavas tempo com quem roubava tudo de ti, menos o mais ínfimo sorriso.


Agora cresceste e aí estás tu. Tu que és eu. E se eu vou ser assim, deixa-me dizer-te que não gosto do frio que, por exemplo, hoje está lá fora; que há pessoas que já não tenho mais na minha vida e que não quero que as deixes entrar outra vez; deixa-me dizer-te, também, que ter os meus dias rotinizados não é de todo a minha ideia; quero, ainda, que saibas o quanto devoro livros. Isto tudo para que, quando eu for tu, já me conheça e ainda me lembre de mim, agora.


Hoje, espero que sejas um reflexo megalómano de felicidade. Espero que tenhas mantido as pessoas que, na altitude das perspectivas, me enchem de vida, e de sonhos; as pessoas que me agarram com a alegria de uma criança quando encontra o seu brinquedo favorito.


Devo-te um pedido de desculpas por te tentar ensinar tudo aquilo que, sobre mim, já tu sabes. Desculpa por te estar a relembrar de todas as vezes que agora tropeço e que se repercutem em ti. Eu nunca fui pessoa de te imaginar, confesso.


Mas… (e porque estas três letras trazem sempre um senão), a imprevisibilidade apoderou-se de mim e o peso da liberdade saltou para as minhas cavalitas, como se de uma criança de três anos se tratasse. Nesse dia, franzi o sobrolho (como espero que ainda o faças!), cerrei os dentes e, de mão dada com o medo, procurei-te. Aqui entre nós, acho que te escondes sempre que me sentes por perto, mas é porquê? Por medo do passado? Por vergonha?


Reparei que, de facto, era eu quem te perseguia. Era e sou. E ainda me queixo eu da minha pequenina alma nunca me largar…como é que eu lhe peço para o fazer, se não me desapego de ti? Persigo-te com toda a coragem necessária para que o tempo não se arraste, para que não seja apenas num passo que te encontre. Quero e preciso de mais do que um simples passo.


A ti, que sou eu daqui a uns bons e largos anos. A ti, que sou eu, no futuro. A ti, que sou eu, mas com mais de mim, do que agora. Só a ti.


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