top of page

Carta ao Zé Povinho


Parece-me que a guarda não gosta de mim. Sei isto, porque me olham todos de lado. Porquê, senhor guarda? Pergunto-me como se não tivesse a resposta.

Lá vai você, montado no seu lindo cavalo lusitano, em todo o esplendor de "garante da justiça", enquanto o pobre bicho engole golfadas de ar porque as suas costas arcadas já lhe doem de carregar toda a sua massa gorda, ossos e a cara trancada que faz parte do outfit. Também havia espuma na sua boca, o que não me parecia de todo saudável. E cá vou eu, não sentado, mas caminhando, vindo do meu querido recurso de Introdução às Ciências Sociais e Politicas no ISCSP. Está com cara de espanto? Não se espante. Deixe-me dizer-lhe, antes de mais, que o meu cabelo entrançado numa confusão de nós, a que comummente chamamos de rastas, não dizem nada de mim, nem de quem sou eu.

O meu nome é Miguel Correira Ferreira, nascido a 25 de Setembro de 1998, grande ano este para ter nascido. Mas não me querendo desviar do assunto e apesar das minhas queridas "tranças" não dizerem nada sobre mim, foi motivo para me abordarem. Não sou nenhum marginal. Não roubo. Não pertenço a nenhum gangue. No entanto, vocês olham-me de alto a baixo e vêm-me dizer boa tarde. Boa tarde. Era para me perguntar se tinha algo que me comprometa. Não tenho. A minha mochila, podem ver, também não tem. O nada dessa enche-se com folhas com as respostas modelo para o recurso e canetas espalhadas que deviam estar no estojo. Aqui a única coisa que me podia comprometer são as verdades que lhes tenho a dizer, que me levariam diretamente para a esquadra, por vos ofender vosso ego pesado.

Mas é isto que está mal com todos nós portugueses. Acordamos de manhã e comemos o horóscopo, enviando-o para baixo com um copo de leite UHT. Ao almoço vai um telejornal, que mais não tem a dizer que ontem, para além do sensacionalismo breve e este vai para baixo com um copo de água açucarada a que chamamos Iced Tea, como se o tornasse saudável por ser chá. À tarde lanchamos “tardes da Júlia”, ou algo do género e bebemos um gole de água, que é tão pouco importante nas nossas dietas, que alguns mal a veem. Ao jantar, é-nos servido o prato principal: O futebol. Este tem de ir para baixo com cerveja, é claro. E mesmo assim falha-vos a ver o que está mal, certo?

Pois então, eu vou dizer-vos: Está mal, em primeiro lugar, que seja esta a rotina do meu povo. Está mal que amaciem a mente com o circo e engulam o pão duro que vos fazem crer que é dado. Nada nesta vida é dado, há que se trabalhar para isso. E esse é outro dos nossos males, pouco trabalhamos para fazer algo pelo pedaço de território a que "pertencemos", dizendo que é ele que nos pertence. Se é ele que nos pertence, se o vosso tão grande orgulho nacionalista vos faz efervescer a alma, porque não estão vocês pondo mãos à obra e fazendo o que é preciso? Porque não estão vocês a construir escolas e doutrinas novas para ensinar as nossas crianças a ser Humanos? Porque não estão vocês a voluntariar-se para ajudar aqueles vossos irmãos que mais precisam ou a fazer mais pelos demais que estão à vossa volta?

Serei eu o tolo por pensar assim ou serão vocês que não veem e não querem ver? Será que queremos escolher o nosso caminho ou queremos deixar que seja a mão do outro a escolher? Esta é uma pequena mensagem que escrevo no final da tarde de quarta feira, dia 30 de janeiro de 2017, com esperança que ainda vamos a tempo de fazer algo por mudar. Olhem à vossa volta, o mundo está a cair aos pedaços e pronto a cair de vez. Não se refazerá sozinho e por este andar estamos a ficar sem tempo para mudar o seu futuro. Mas não se pode perder a esperança. Se dissermos que não fazemos porque não vale a pena, não vai mudar, seremos apenas mais um, que nada fez.

Sejamos diferentes. Sejamos a mudança. Sejamos aqueles que saíram do ócio para tentar modificar algo nesta sociedade da qual escolhemos fazer parte.


Eu começava por coisas pequenas: dizer olá ao senhor da Carris, que sofre tanto com o seu sistema obsoleto como nós; parar para ajudar alguém que precise de qualquer tipo de ajuda; e acima de tudo, reconhecermos que errar é humano e deixarmos de apontar o dedo ao próximo. Apontemos antes o dedo a nós próprios, vejamos as nossas falhas. São essas as únicas que contam neste mistério que é a vida. São essas que nos faram ficar mais fortes e é através dessas, que podemos mudar o mundo. Com todo o amor que consegui arranjar e cordialmente, Miguel Ferreira


bottom of page