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O desassossego do sossego

Porque procuramos coisas para fazer?

Porque procuramos ocupações, mas delas resulta ansiedade?

Porque é que não fazer nada nos aborrece, provoca o sentimento de tédio?

Parece que não sabemos viver o sossego e, para contrariar os sentimentos que do sossego resulta, procuramos ocupações que nos trazem ansiedade.

Porque é que durante a nossa caminhada, procuramos ocupar-nos, sentimo-nos ansiosos por tudo o que dessa "ocupação" resulta, mas no entanto preferimos isso ao aborrecimento do nada e do sossego?

Não sabemos como é estar parados, porque estar parado simplesmente aborrece, provoca tédio.

Como é óbvio que todos nós gostamos de um pouco de sossego, de não ter nada para fazer, mas nunca para o resto das nossas vidas.

Que difícil é ser humano.


O que me assusta na juventude, no meu auge, é a ansiedade que resulta da minha procura e conquista repetitiva e cansativa das coisas para fazer, de estar ocupado.

O que me assusta na velhice é o aborrecimento do sossego, o desassossego do sossego, do nada.

Uma vida que me será agradável se tiver o dinheiro ou os amigos para tal, porque da falta de ocupações, podemos preencher, com actividades e momentos que só os amigos ou o dinheiro compram.

Quem pela infortuna for tocado, inclinar-se-á sobre o parapeito para comunicar com o silêncio do aborrecimento.

E para que percebam isto, é necessário compreender que as ocupações (obstáculos, desafios, fases) que aqui trato, são aquelas mais relevantes nas nossas vidas.


Depois de um dia atarefado ou de uma semana de muito trabalho, quantos de nós não aguarda ansiosamente e pede, em conversa com os nossos botões, que o dia termine ou chegue rapidamente o fim de semana para podermos repousar, descansar? Eu diria que todos nós.

Porém! a hipérbole do acto de descansar, do nada fazer é nos intolerável. A inércia do corpo parado traz para nós um enorme aborrecimento, é incompatível com a nossa pessoa.

O aborrecimento, tédio, mata!

Não aceitamos o desassossego a longo prazo e rapidamente procuramos novos obstáculos, desafios, ocupações (como quiserem designar o acto humano de se ocupar com algo).

Esforçamo-nos para passar os obstáculos mas assim que os passamos... o descanso é insuportável, porque assim o aborrecimento o produz.

Porém! o que nos traz essas ocupações? e mais uma vez, refiro-me a ocupações relevantes, apesar de enormes vantagens (se não, também não procuraríamos), traz também, ansiedade.

A ansiedade está presente em toda a nossa vida, basta preocuparmos-nos ou expectar sobre o futuro e somos preenchidos por ela.

Não devemos viver em ansiedade pois esquecemo-nos de viver o presente, e o presente

como sabemos rapidamente se torna passado.

Assim que ultrapassamos os obstáculos ou termina a nossa ocupação, o que fazemos? descansamos, tiramos um tempo para nós, mas rapidamente o aborrecimento nos atropela a mente. Somos marionetas deste jogo de ansiedade e tédio, saltamos de um para o outro, não sabendo apreciar o sossego.

O que será mais fácil, superar o tédio ou a ansiedade?

Eu diria que o desassossego do sossego é mais insuportável que a ansiedade que resulta de qualquer ocupação que tenhamos.

Uma coisa é certamente mais fácil que tentar superar qualquer uma destas infortúnias condições, aceitar como parte do homem.

É compreendendo e aceitando este desequilíbrio irracional que podemos tirar o melhor partido.


Temos de ter consciência desta condição humana, ainda mal compreendida e aceitá-la, abraçá-la, para nosso proveito.


Não é tragédia nenhuma aperceber-mo-nos deste ciclo estranho e incompreensível da nossa vida. É pelo contrário, uma grande e confortável aceitação, que nos traz melhor preparação para enfrentar a ansiedade de tudo o que nos ocupa e expecta.

"Abraçando" a ansiedade e o aborrecimento, talvez!, nos faça ver que mais vale levar um vida livre como bem queremos, sem ligar a tradições e/ou status quo, em vez de viver uma vida desenhada pelos outros.

Porque, se é para me sentir ansioso que seja com algo que me dê prazer, se é para me sentir aborrecido, que seja na companhia de alguém que ame.


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