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Era uma vez uma bicicleta com pneus furados

No dia 9 de maio de 2016 em entrevista ao Diário de Notícias, Martin Schulz descrevia a União Europeia como "uma bicicleta, mas sem ar nos pneus". Na mesma entrevista, o agora ex-presidente do Parlamento Europeu mostrava-se pessimista relativamente à possibilidade de que, "pela primeira vez na história da Europa, não é certo que a UE saia destas crises mais forte." Admitindo que "pode acontecer que fiquemos ainda mais fracos.". Infelizmente, o pessimismo de Schulz acompanha a sensação de muitos em relação à possibilidade de a União poder desabar face à maior prova de vida que enfrentou, algo que não é alheio a uma certa polarização da ordem mundial. O homem que encerrou a sua liderança à frente do Parlamento Europeu, no passado dia 17 de janeiro, dando lugar ao italiano António Tajani, sublinhou que “o problema não é a EU, mas os Estados membros”.


É consensual a noção de que, há algum tempo a esta parte acentuou-se a ideia de que a União Europeia já não serve os seus propósitos fundacionais, de que é um entrave à liberdade de cada Estado se auto-regular e assumir o controlo do seu território e fronteiras. O movimento do “take control back” instalou-se em definitivo na campanha pela saída do Reino Unido da lista de Estados-Membro. Conceitos antigos, como “nacionalismo”, “isolacionismo” e “populismo” foram reintroduzidos no discurso político e social a um ritmo quase diário. Há medida que as ideias pró-nacionalistas foram obtendo mais força, com um aumento real de apoiantes, a Europa nunca mais foi a mesma e hoje, mais uma vez, está imersa numa profunda divisão, circunstância que forneceu condições para a formação do eixo de países alinhados com uma ideia diferente de Europa contra a linha de defesa da União.


Facto é que a crise das dívidas soberanas, bem como as soluções produzidas associadas á nova vaga de atentados terroristas e à estagnação do nível de vida entre os europeus (um exemplo prático desta questão pode-se encontrar nas páginas do jornal Público de maio de 2002, onde se dava conta de vários eleitores que tinham votado em Le Pen, o pai de Marine à data o líder da FN, por razões várias, nomeadamente, o facto de muitos deles estarem com contratos de 3 anos e um salário mínimo que não lhes permitia organizar a vida) convergiram num ideal catalisador para o problema apontado, que apesar de se tratar de um fenómeno de pouca dimensão há uns anos atrás (em 2002 era recorrente ver manifestações contra a xenofobia e racismo que denunciavam na Frente Nacional, em França), vinha alargando a uma velocidade vertiginosa o seu espaço de importância e a promessa de resolver os problemas que nos atormentavam, nesta linha destaque-se o ensaio assinado por Farred Zakaria para a revista Foreign Affairs, publicado em 1997, onde assinalava o regresso do nacionalismo agressivo ao território europeu. O grande debate de hoje é simples de compreender e apesar das várias perspetivas em jogo é possível encontrar as várias linhas discursivas, as que inequivocamente reconhecem o papel da União como necessário e útil à contenção dos nacionalismos e importantes na salvaguarda da paz e da União e a linha dos que olhem para as instituições lideradas por Bruxelas como obsoletas e responsáveis pelos problemas dos Europeus, os mesmos que como dizia o Papa Francisco I nos querem “salvar com muros”, deixando do lado de fora os que navegam até às portas da Europa em busca de salvamento da guerra, da morte quase certa. A crise dos refugiados, a forma pouco eficiente como a mesma foi gerida a par da solução encontrada levou a que os detratores do projeto europeu encontrassem um novo fôlego.


O ressurgimento do confronto entre os que querem as portas abertas ao Mundo e os que as querem fechar, ou seja, entre os defensores da democracia liberal e a democracia iliberal, esta última exemplificada em casos como o da Hungria de Viktor Orbán conforme dava conta o historiador britânico, Timothy Garton num dos seus artigos no Guardian. A antagonização do discurso político europeu levou a que muitos se perguntassem sobre se a União seria verdadeiramente democrática e se não seria ela a razão e o mal dos nossos problemas, se poderia sobreviver a divisão ou se colapsaria dentro de muito pouco, paralelamente generalizou-se um relativo consenso à volta da necessidade de uma reforma das Instituições Europeias.


Uma reforma alicerçada em três pilares, reforço do poder do parlamento europeu (levando mais longe o passo dado pela comunidade europeia no Tratado de Lisboa), o aprofundamento do processo democrático (conseguindo oferecer aos cidadãos dos Estados membros mais representatividade nos círculos de poder europeu e criação do estatuto de cidadão europeu. Esta é provavelmente uma das linhas fundamentais do empenho para uma reforma do sistema, é estritamente necessário dar aos europeus um denominador comum para além daqueles que já existem, um facto agregador e unificador trazendo à superfície a “alma europeia”. Porque ela existe e não a podemos esquecer.



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16ª Edição Revista Pacta

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