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Democracia

A democracia teve as suas origens na Grécia Antiga, onde, na procura fútil do regime político “perfeito”, se estipulou que todos os cidadãos com direito ao voto iriam ter impacto direto no desenvolvimento e criação de leis. Após um hiato causado pelo desaparecimento das (poucas) democracias diretas do Mundo Antigo, os regimes democráticos ressurgiram a uma escala significativa a partir do seculo XVIII, com particular destaque para o Reino Unido e, posteriormente, os Estados Unidos. Contudo, nestes casos, ocorreu uma mutação crucial: a democracia deixava de ser direta para passar a ser indireta, onde eram eleitos representantes da população, através de sufrágio universal e secreto, que governavam de acordo com os interesses da base eleitoral que os elegeu.


A disseminação de regimes democráticos intensificou-se a partir do século XX, onde os EUA fomentaram a sua posição como grande super-potência mundial. Aproveitando-se do seu estatuto e capacidade de influência em todo o Mundo (especialmente na sua esfera de ação), os EUA impuseram, por vezes recorrendo à força (ex. América Latina, Japão, etc), os seus “superiores” ideiais democráticos em todo o Mundo. Desta forma, a democracia indireta representativa tornou-se num fenómeno à escala global e é vista como o “crème de la crème” de uma sociedade globalizada e pluralista do século XXI.


Neste contexto e introduzido o conceito de “democracia”, é importante analisar as premissas básicas e fundamentais do que constitui uma democracia atual: as massas têm mesmo um poder de escolha livre e auto-determinação? Será que as elites governativas representam, de facto, os interesses de quem as elege?


Analisando a primeira premissa, é importante analisar como funciona a política atual e, por inerência, como funciona a escolha supostamente livre dos decisores políticos. Atualmente, as democracias representativas funcionam à base de uma votação, por parte da população elegível a votar (atualmente isto engloba a maioria da população), num determinado grupo político e ideológico em que esta se revê e apoia, de forma a delegar a proteção dos seus interesses para quem tem capacidade para os defender. O voto funciona assim como “moeda de troca” na defesa dos interesses do eleitorado.


Nesta primeira premissa há fundamentalmente dois problemas. Num primeiro nível de análise, é importante destacar em quem é que o eleitorado efetivamente vota. Numa eleição democrática, o eleitorado tem a liberdade de votar na elite política que pretende que os governe nos próximos anos. Estas eleições dão ao cidadão comum a ilusão de que tem, de facto, influência no processo governativo do país, quando, na verdade (e na melhor das hipóteses), tem a liberdade de escolher qual a fação da elite que quer que represente, maioritariamente, os interesses de si mesma e da restante elite (fazendo apenas o mínimo indispensável para “neutralizar” quaisquer contestações das massas) e que, além disso, mantenha a máquina estatal a funcionar, visto que, através do Estado, as elites são capazes de controlar as massas (p.e. através dos média, do sistema de ensino, dependência financeira, etc). Por outras palavras, a ilusão da escolha de quem realmente tem influência na conjuntura do país (de entre opções MUITO limitadas) é usada como “pão” para apaziguar as massas e manter um “status quo” que satisfaça os interesses de quem realmente tem poder e impacto na performance e funcionamento global de um Estado. A impotência das massas torna-se ainda mais escandalosa quando somos obrigados a admitir que o Governo, que têm a “liberdade” de eleger tem, na verdade, um poder bastante limitado para governar esse mesmo Estado, admitindo que estará sempre condicionado por externalidades quer internas (através de poderosos lobbies, por exemplo), quer externas (através de instituições supra-nacionais, como a União Europeia). Desta forma, a “liberdade” insignificante que está ao dispôr das massas torna-se, na prática, ainda mais irrelevante. A democracia, ou seja, o poder nas mãos do povo, é distorcida, na prática, para uma oligarquia legitimada pelo voto popular.


Num segundo nível de análise, importa analisar os comportamentos do eleitorado nas votações. Numa eleição, vários partidos, com ideologias que, na prática, se tornam relativamente indissociadas entre si, competem pela atenção de quem tem o direito de votar. Para isso, recorrem a máquinas de propaganda e instrumentos como políticos profissionais, com a finalidade de, através de desinformação, demagogia e retórica frequentemente falaciosa, conquistar o maior número possível de votos do eletorado, com o intuito de garantir que a sua fação da elite esteja na melhor posição possível para defender os seus próprios interesses. As massas e, por inerência, o eleitorado, compactuam com esta situação, visto que o sistema (que é considerado absoluto e inquestionável por virtualmente toda a população) é pensado de forma a marginalizar, extremizar e tornar em “outcasts” todas as ideologias e pensamentos que não cabem no “framing” definido pelas elites, perpetuando o “status quo” vigorante, restringindo a liberdade individual de cada indivíduo, dirigindo-o subtilmente para o que é “políticamente aceitável” (i.e. partidos do arco da governação, mas não só).


Concluindo a análise da primeira premissa, é facilmente percetível que, não só as escolhas de cada cidadão não são verdadeiramente livres, pois serão sempre limitadas à escolha da elite dominante num futuro próximo, como também se torna óbvio que esta mesma elite, que as massas tiveram a “liberdade” de escolher, pouco difere da restante, tornando o voto do cidadão virtualmente inútil. Em suma, a premissa básica de liberdade e auto-determinação cai por terra, visto que, na prática, o que acontece é a ilusão de uma liberdade que é efetivamente muito condicionada.


Interligando a segunda premissa com a primeira (tendo por base a democracia representativa que se encontra em vigor em quase todos os regimes democrático atuais) torna-se importante perceber se estas eleições permitem realmente que os cidadãos escolham uma elite que represente a maioria de quem a elegeu. Partindo de um exemplo concreto (e deixando de parte politiquices): Eleições Legislativas de 2015 em Portugal. Num universo de 10,6 milhões de habitantes, entre os quais 9,7 milhões são eleitores registados, elegeu-se um Governo legítimo com um total de apoio da população de... 16,5%. Outro exemplo recente: nas Eleições Presidenciais de 2016 ocorreu um fenómeno semelhante: um Presidente foi eleito, à primeira volta (e dando a impressão de que é um figura consensual entre o eleitorado), com o total de apoio, sob a forma de voto (uma das principais bases da democracia) de 22,8% da população. Esta situação é tranversal a muitas democracias espalhadas por todo o Mundo, muitas vezes com percentagens ainda mais baixas. Torna-se então impossível admitir que uma democracia é verdadeiramente representativa da população quando, muitas vezes, nem um quinto dessa mesma população legitima o governo que é eleito. Como é que é possível legitimar democraticamente um governo quando o eleitorado que o deveria legitimar nem sequer legitima o próprio sistema democrático? Por outras palavras, como é que se legitima alguém como representante dos interesses da maioria se a maioria não acredita no processo democrático, nem tem participação ativa na vida política e governativa do Estado? Num “status quo” em que os decisores políticos já estão predispostos a defender os seus próprios interesseses em detrimento dos da maioria, a premissa fundamental de que há uma verdadeira representatividade dos interesses da maioria numa pequena elite governativa é completamente refutada quando somos obrigados a admitir que a nunca há (e dificilmente existirá) uma maioria da população que efetivamente legitime esses mesmos decisores políticos.


O que nos leva a uma última questão: será que vivemos mesmo num regime verdadeiramente livre e democrático? Logicamente que não, pois, ao analisarmos as premissas que sustentam a base de um regime democrático, conclui-se que estas, na prática, não se verificam. Não existe uma verdadeira escolha livre por parte do eleitorado (nem particular interesse em fazê-la), nem existe uma elite minoritária que represente os interesses da maioria da população (que não participou na materialização do suposto poder das massas, o voto, que, por inerência, não legitimou essa elite governativa). Para os votantes, o impacto real do seu voto pouco interessa, pois resignam-se a ficar inebriados por uma falsa sensação de poder e controlo da conjuntura polítca do seu país. A democracia em que vivemos não é nada mais que um lobo na pele de cordeiro, onde uma minoria oligárquica perpetua uma rotatividade entre as elites governantes, pseudo-legitimada por uma pequena parcela das massas que é interpretada como a materialização do poder das mesmas num regime democrático.



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