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Roma, 60 anos depois...


Dia 25 de Março de 1957. Roma, sala dos Horácios e Curiácios do Capitólio romano – seis países, a “Europa dos 6”, preparam-se para assinar o tratado fundador da CEE (Comunidade de Económica Europeia, embrião da actual União Europeia) e da Comunidade Europeia da Energia Atómica. República Federal Alemã, França, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo representados pelos respectivos Chefes de Estado, três presidentes e três monarcas, assinam aquele que é o segundo momento do, ainda curto, percurso pela integração europeia. Caminhada que havia sido iniciada a 9 de Maio de 1958, quando Robert Schuman, Ministro dos Negócios Estrangeiros francês, sugere a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço. No entanto, só em 18 de Abril de 1951 seria assinado o Tratado de Paris (entrando em vigor a: 25 de Julho de 1952), no qual se estabelece, formalmente, a Comunidade. Jean Monnet seria o primeiro Presidente da Comunidade que, só em 1967, veria todas as suas instituições integradas na CEE.


As pedras da União estavam lançadas. De Paris até Roma foi um passo, demorou-se sensivelmente 6 anos até que os signatários do Tratado de Paris sentissem necessidade de consolidar o que se iniciara em 51. A propósito da CECA, Schuman declararia no dia em que a propôs o seguinte: “A Europa não se fará de um golpe, nem numa construção de conjunto: realizar-se-á por meio de execuções concretas que criem, em primeiro lugar, uma solidariedade de facto. A união das nações europeias exige que seja eliminada a secular oposição entre a França e a Alemanha.”[1]. A declaração integral ficaria conhecida como a “Declaração Schuman” e ainda hoje persiste no imaginário da construção europeia e Schuman um dos seus pais fundadores, ao lado de Jean Monnet, Johan Willem Beyen, Winston Churchill (pensar que em tempos foi este o homem que idealizou os “Estados Unidos da Europa” é ascender a um nível de ironia astronómico), Altiero Spinelli (o homem que ousou defender uma Europa Federal, ficaria conhecido pela apresentação do «Plano Spinelli»), Konrad Adenauer (o chanceler alemão que em 1963 apertou a mão à De Gaulle e permitiu que velha e despedaçada nação Alemã se reconciliasse com a sua vizinha, a colossal França) ou ainda Paul-Henri Spaak (o político belga responsável pela redação do Tratado de Roma).


A par dos Estados Unidos da América, a Europa encontrava nesta casta de políticos belgas, franceses, italianos, alemães e britânicos os seus pais fundadores. Os nossos “Estadistas Europeus”. Cinco anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, a Europa ainda se via abraços com os destroços da II Guerra Mundial, era preciso acentuar o caminho para erguer uma Europa mais Forte e mais Unida, mais Próspera e sobretudo, uma Europa de Paz e Esperança. O horror e a miséria do passado não se podiam repetir, e para tal, a necessidade de uma comunidade económica com um mercado comum que pudesse facilitar a revitalização económica desejada fazia sentir-se. Em Roma apostou-se na Construção de uma Comunidade que vislumbrava motivações políticas, socias e culturais, desde logo porque toda a tentativa de envolver as várias nações europeias num conjunto de compromissos comuns pretendia por um lado, conduzir à retoma económica dos Estados (algo que o Plano Marshal dos norte-americanos veio apoiar e cujo nome o deve ao Secretário de Estado, George Catlett Marshall), por outro, lutar “contra o regresso do nacionalismo desenfreado que tinha levado a duas Guerras Mundiais e ao massacre de milhões de Europeus”[2] lembrava Guy Verhofstadt (eurodeputado belga do ALDE).


O mercado comum, baseado nas tão famosas quatro liberdades de circulação de mercadorias, pessoas, capitais e serviços funcionou como uma parcial corporização do sonho de uma “Europa Federal”, isto se tivermos em conta que o levou à realização em 1955 da “Conferência de Messina” (1 a 3 de Junho de 1955) onde os esforços de relançar a integração europeia levam á conceptualização do Tratado de Roma e consequentemente, à CEE e a CEEA (a Comunidade Europeia da Energia Atómica cujo principal objectivo era a utilização da energia nuclear para fins pacíficos).


Ainda no decorrer da “Conferência de Messina” resultou a criação de um comité de peritos, presidido por Paul-Henri Spaak, e de onde também faziam parte os franceses Pierre Uri (antigo colaborador de Monnet), Félix Gaillard, o alemão Hans von der Groeben. É convidado a participar um perito britânico, ao qual é atribuído estatuto de observador. O resultado dos vários contributos ficou registado num documento que ficou conhecido como “relatório Spaak”, oficialmente apelidado de “Relatório de Bruxelas”. Conforme pode ler-se no mesmo, “o objectivo de um mercado comum europeu deverá ser a criação de uma vasta área com economia política comum, que constituirá uma poderosa unidade produtiva e permitirá uma firme expansão, um aumento de estabilidade, uma mais rápida subida do nível de vida e o desenvolvimento de relações harmoniosas entre os Estados membros”[3]. Estavam assim lançadas as bases para que dois anos depois e muita tinta corrida (o relatório viria ainda a ser discutido na “Conferência de Veneza” de 30 de Maio de 1956 e de seguida na “Conferência de Bruxelas” a 26 de Junho do mesmo ano), a 25 de Março as canetas cristalizarem em Roma o tratado que comemora agora 60 anos.


“DECIDIDOS a assegurar, mediante uma acção comum, o progresso económico e social dos seus países, eliminando as barreiras que dividem a Europa”[4] e “FIXANDO como objectivo essencial dos seus esforços a melhoria constante das condições de vida e de trabalho dos seus povos”[5] assim as Nações Europeias assistiriam à entrada em vigor, a 30 de Julho de 1962, da Política Agrícola Comum (PAC) europeia (e que ainda hoje suscita polémica, no caso português marcou parte da política do governo de Cavaco Silva, aquando da adesão de Portugal na CEE em 1986). Seguiu-se o primeiro alargamento: Dinamarca, República da Irlanda e Reino Unido, a “Europa dos 6” passa à “Europa dos 9”, em 1979 as primeiras eleições para o Parlamento Europeu (criado em 1979 e herdeiro da antiga Assembleia Comum da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço – assembleia que reuniu pela primeira vez a 10 de Setembro de 1952), a entrada da Grécia em 1981 – a “Europa dos 10”, a 15 de Junho de 1985 a Península Ibérica (Portugal e Espanha) diz “presente” na Comunidade ao assinar o Tratado de Adesão. A 14 de Abril de 1987 a Turquia, então presidida por Kenan Evren - um dos militares que conduziu o golpe de estado em 1980, assina o pedido de entrada à CEE (30 anos depois, a Turquia vira-se para outras latitudes). Tratado de Maastricht a 7 de Fevereiro de 1992, o terceiro passo para o sonho de Churchill[6] com a fundação da moeda única, o Euro. A Maastricht segue-se o de Amesterdão (que retifica o de Maastricht), a 2 de Outubro de 1994, o de Nice a 26 de Janeiro de 2001, registam-se entretanto sucessivos alargamentos, finalmente, a 13 de Dezembro de 2007, o Tratado de Lisboa (um dos mais significativos passos na história da integração, paralelamente, abre-se a porta para os que querem sair. O Reino Unido que o diga). Outubro de 2012, a CEE, já União Europeia vê galardoados mais de 70 anos de solidificação de Paz, Solidariedade, União e Prosperidade, apesar das muitas contradições emanadas pelas várias lideranças.


25 de Março de 2017, “dia de celebrações e promessas”[7] do qual resultou o reconhecimento das “dificuldade dos actuais desafios e aponta-se o rumo para a próxima década”[8] e a Declaração de Roma, três páginas inundadas de linguagem vaga e opaca, onde se dá o dito por não dito, mas se reconhece a hipótese de uma “UE a duas velocidades”[9]. Certo é que, 60 anos depois, a União depara-se com uma das suas maiores crises, talvez a maior e à qual poderá não resistir. O Reino Unido, ausente da assinatura do Tratado de Roma em 57, também o esteve em 2017, pois não se quer comprometer com uma união da qual já não quer fazer parte. Afinal de contas, a Europa de 2017 poderá ser apenas a União a reajustar-se aos “novos tempos”, tal como o fez em 1957, em 1992, em 1994, em 2001 e em 2007. Continuaremos, contudo, confiantes na Europa em que os sonhos e a vontade nos permitir alcançar e criar.





[1] Retirado de: https://europa.eu/european-union/about-eu/symbols/europe-day/schuman-declaration_pt

[2] Retirado de: http://observador.pt/opiniao/porque-devemos-celebrar-o-60o-aniversario-do-tratado-de-roma/

[3] Retirado de: https://infoeuropa.eurocid.pt/files/database/000042001-000043000/000042100.pdf (“60 anos de Europa: Os Grandes Textos da Construção Europeia”)

[4] in “Tratados que instituem as Comunidades Europeias”, Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, Luxemburgo, 1987

[5] in “Tratados que instituem as Comunidades Europeias”, Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, Luxemburgo, 1987

[6] in “The Sinews of Peace”, Cassel, London, 1948

[7] Ver: https://www.publico.pt/2017/03/25/mundo/noticia/declaracao-de-roma-a-europa-caminhara-numa-so-direccao-mas-a-varias-velocidades-1766534

[8] idem

[9] Ver: http://expresso.sapo.pt/politica/2017-03-06-Hollande-Ou-ha-uma-UE-a-duas-velocidades-ou-ela-explode


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