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“Hey Brussels, London is calling"


Dia vinte e nove de março de dois mil e dezassete. Londres, Reino Unido. Dia de Brexit. A carta que formaliza, oficialmente, a saída do Reino Unido da União Europeia chegou hoje a Bruxelas. O dia é meramente simbólico, pois há pelo menos três meses que já tínhamos a confirmação de que o Reino pretendia mesmo sair da União. Aliás, May esteve decidida desde o início do seu mandato a levar avante a decisão decorrente do fatídico referendo do dia 23 de junho de 2016, para ela “Brexit it means Brexit” e mais nada. Em todo o caso, não deixa de ser interessante assinalar o dia em que finalmente vemos o processo começar, a expectativa é imensa, e promete durar pelo menos dois anos.


Quem ontem fazia umas leituras na imprensa internacional deu certamente conta de ver uma fotografia[1] onde surge Theresa May a assinar a histórica carta. May surge sozinha e sentada a uma mesa, debruçada sobre dois papéis e num deles desenha aquela que será, provavelmente, a sua assinatura. Na sala vê-se ainda uma lareira ao estilo vitoriano e uma bandeira do, ainda, Reino Unido. A primeira-ministra britânica, sobre a qual diz-se que paira o fantasma de Margaret Thatcher, tem o velho império atrás de si. A ideia de que é possível "make UK great and alone again" é justamente o resquício do saudoso império britânico de que poucos têm memória, mas muitos (alguns, para ser mais preciso) acreditam ser possível reerguer. O nacionalismo vive da usurpação da história, da memória mais ou menos verdadeira e da crença de que "primeiro nós, depois eles". Não obstante o nacionalismo britânico perderá folego perante a possibilidade de o referendo da Escócia se confirmar e o resultado der para o positivo à saída das saias de Sua Majestade. O Reino Unido sai da União Europeia e a Escócia poderá sair do Reino Unido. Não será caminho[2] fácil, uma vez que não há precedente de tal, a divida de uma Escócia independente oscilaria entre 73% a 83% daquele que se seria o seu PIB e muito dificilmente Espanha facilitará tal adesão[3] (as intenções independentistas da Catalunha resumem-se a uma Catalunha independente de Espanha mas dentro da União, o caso seria semelhante ao da Escócia e abrir um precedente dificultaria a vida a Rajoy).


Londres abre hoje a batalha legal em que o processo de negociação decorrente do Brexit. Às 12:20h de hoje o embaixador britânico à UE, Sir Tim Barrow entregou a carta que invoca o artigo 50º do tratado de Lisboa a Donald Tusk, presidente do Conselho Europeu, e história fez-se.


Não se avizinham tempos fáceis para ninguém, mas também não é tempo de aguardar em sala de espera pelo fim da União. Holanda, Áustria, Alemanha[4] e França[5] podem e devem ser olhados como casos de confiança no futuro de uma Europa Unida, o crédito que os países do norte ainda atribuem ás instituições de Bruxelas e Frankfurt aliado à necessidade dos países do sul na continuação do projecto, é factor reconfortante mais desafiador quando se trata de pensar na urgência de reformas na maquina europeia. Mesmo assim, os desempasses de França e Alemanha podem vir a encher os pneus da bicicleta que é a União, utilizando a metáfora de Schulz. Uma Europa a duas velocidade como tem sido admitido por Junkcer, e Hollandeideia e previsto na Declaração de Roma assinada nos 60 anos do Tratado de Roma pode impedir que se acentue a polarização da geografia política no velho continente, dando espaço para cada um se ajuste à sua medida.

Por agora é tudo, a análise continuará amanhã.


Algumas leituras para o dia de hoje:


O Público faz hoje publicar uma cronologia simples e bem estruturada sobre os próximos tempos de negociação[6]. Destaque também para o texto[7] de Diogo Queiroz de Andrade sobre as negociações e não só, diz ele que: “Não há maneira de garantir que esta despedida vá ser civilizada. Nos bastidores vai haver sangue e o rancor entre os dois lados da Mancha virá ao de cima. O processo nunca se irá concluir em dois anos”. Ainda no Público, chamo a atenção para a análise[8] de José Pedro Teixeira Fernandes sobre o dia de hoje e o lugar reservado a May na história política britânica, escreve Teixeira Fernandes que: “Theresa May não é Margaret Thatcher. A sua chegada ao poder resultou da demissão de David Cameron, com a derrota política no referendo de 23 de “Theresa May terá ainda de conquistar o seu lugar na história política britânica. O seu primeiro obstáculo será agora Michael Barnier, o francês que chefia a equipa negocial da União Europeia.”.


O POLITICO reuniu uma lista[9] de 12 pessoas e coisas que arruinaram a EU. Há aspectos interessantes. Viktor Orban e Boris Johnson estão lá. Mas o melhor é dar uma vista de olhos. Ainda no POLITICO, destaque para o liveblog[10] onde se pode acompanhar os principais acontecimentos de hoje e o levantamento[11] das reacções da imprensa europeia. Reportar a realidade “brexitiana” não será tarefa fácil, consciente de tal o jornal decidiu abrir uma vaga[12] para um repórter dedicado em exclusivo ao processo.


Ressalva ainda para, a cronologia[13] assinada pela BBC e para os comentários[14] que a plataforma Debating Europe reuniu, o de Roger Helmer (deputado do UKIP) e o do Professor Iain Begg (investigador no Instituto Europeu da LSE).



[1] Ver: https://www.publico.pt/2017/03/29/mundo/noticia/londres-entrega-os-papeis-para-o-divorcio-ue-define-as-suas-condicoes-1766863#&gid=1&pid=1


[2] Em todo o caso, o El Pais fez uma interessante recolha sobre o processo: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/09/17/internacional/1410951044_430192.html


[3] A opinião de Francisco Sansfield Cabral resume muito bem a questão: http://rr.sapo.pt/artigo/78389/espanha_e_a_independencia_da_escocia


[4] O “Schulz effect”, bem como a vitória de Merkel nas recentes eleições na região de Saarland, dão confiança na derrota de Frauke Petry (mesmo que esta seja provavelmente um dos únicos partidos de extrema-direita a não posicionar-se de forma assertiva contra a Europa dos 27).


[5] O fenómeno Macron e as suas confortáveis probabilidades de ir a uma segunda volta e ganhar contra Marine descansam a possibilidade de a xenófoba e nacionalista Frente Nacional vir a adquirir o Eliseu.


[6] Ver: https://www.publico.pt/mundo/interactivo/um-guia-para-o-sinuoso-caminho-ate-ao-brexit


[7] https://www.publico.pt/2017/03/29/mundo/noticia/geografia-politica-1766862


[8] Ver: https://www.publico.pt/2017/03/29/mundo/noticia/o-dia-em-que-o-artigo-50-se-tornou-realidade-1766764


[9] Ver: http://www.politico.eu/article/12-people-things-that-ruined-the-european-union-viktor-orban-treaty-of-rome-boris-johnson-antigone-loudiadis-francois-mitterand-christoph-blocher-edith-cresson/


[10] Ver: http://www.politico.eu/article/theresa-may-triggers-article-50-brexit-begins-live-blog/


[11]Ver: http://www.politico.eu/article/how-europes-press-reacted-to-brexit-trigger-day/


[12] Ver: http://jobs.politico.eu/jobs/1354964-brexit-reporter-at-politico


[13] Ver: http://www.bbc.com/news/uk-politics-39422353#


[14] Ver: http://www.debatingeurope.eu/2017/03/29/long-will-brexit-negotiations-take/#.WNuAgVL5SCR


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