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Dias que não o deviam ser


Acordas, cinco toques de despertador depois do que desejarias. O teu cabelo acorda com pior humor que tu, e nem com festinhas o amansas. Lá fora faz um calor frio, ou um frio quente. Medes a direção do vento através das partículas brancas que invadem o teu nariz e te deixam num pranto incontrolável. Primavera. Os domingueiros passeiam-se pelos passeios, ainda a ressacar da última subida de impostos. Limitam-se a observar as montras e a tocar ao de leve no bolso que guarda a carteira, para se lembrarem que a carteira, essa, já não guarda nada. E ouve-se a velha frase "Andamos todos ao mesmo". Afinal a que andamos nós? Que nós? No estatuto de talvez-um-dia-sociólogo, assusta-me a inércia do ser-humano. As diferenças e desigualdades sociais são cada vez mais gritantes, cada vez mais acentuadas, e a humanidade está cada vez mais díspar, enquanto a indiferença dispara. A que andamos nós? Deixámos o mundo na mão de 1% da humanidade, sem nos percebermos que os temos na mão enquanto nos dão ordens. Sentamo-nos mais por falta de ideias, do que por cansaço. Trabalhamos claramente para alimentar a máquina, uma máquina que se alimenta de nós, uma máquina que mantemos viva, dia após dia, semana após semana. O mercado de trabalho está cada vez mais entupido em áreas que continuam a baixar as médias de entrada no ensino superior, enquanto que continuamos a importar médicos para suprir a lacuna que é deixada pelos que não conseguem atingir o quase inatingível.


Não me digam que têm interesse no sucesso dos jovens, até porque não sabem o que fazer com eles. Que emigrem, certo?

Vamo-nos entretendo à procura de coisas que nos ofendam, enquanto nos prostramos à vontade de outros, enquanto seguimos a manada. Vamos ouvindo o que têm para dizer os líderes de opinião, sem questionar que opinião será a nossa. Não sou um revolucionário frustrado. A sério que não. Estou só frustrado. Porque no fundo, no fim de tudo, hei-de ser mais um na fila, à espera. No fim de contas, também sou humano. Mas às vezes cansa. Almada Negreiros escreveu "Quando eu nasci, as frases que hão-de salvar a humanidade já estavam todas escritas. Faltava apenas uma coisa: salvar a Humanidade". Mas...será que a Humanidade quer ser salva?


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