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"Estado de sítio"


A 9 de Janeiro de 2016, o candidato Donald J. Trump proferia as seguintes palavras: “Vamos rebentar o Daesh todo”. Bem dito, bem feito e a 14 de Abril de 2017, o agora Presidente Donald J. Trump deu ordem para que a força aérea norte-americana lançasse uma bomba (GBU-43 Massive Ordnance Air Blast Bomb (MOAB), também conhecida como Mother of All Bombs) com cerca de 10 toneladas na região de Nangarhar, zona leste do Afeganistão. A partir de um avião C-130, operado pelo Comando de Forças Especiais da Força Aérea e com o objectivo de atingir túneis utilizados pelo Daesh, a administração leva a cabo mais uma das suas promessas.


Não houve qualquer razão para alarme ou surpresa, só quem esperava que o mandato presidencial de Trump se resumisse a uma nota de rodapé na história das relações internacionais terá ficado surpreso. Sem rodeios ou meias medidas e com o apoio das forças afegãs, a operação seria bem acolhida pela comunidade internacional, desta vez não houve espaço para grandes dúvidas. Já que o Daesh aparenta ser um inimigo comum, até para o podre regime de Damasco. Um pouco diferente do que aconteceu na Síria, no dia 6 de Abril de 2017. Quando 59 misseis Tomahawk lançados pela exercito norte-americano atingem uma base aérea de al-Shayrat, a sudeste da cidade de Homs (recorde-se que a cidade de Homs é crucial para o controlo de Damasco e Alepo), pertencente às (ainda) forças do regime de Bahsar al-Assad.


A partir dos contra-torpedeiros USS Porter and USS Ross estacionados no Mediterrâneo oriental, os EUA fizeram subir a tensão de um conflito que já dura há mais de 6 anos e causou, segundo números da ONU e do enviado especial para o conflito, Staffan de Mistura, cerca de 400 mil mortos. O bombardeamento que ocorreu por volta das 4h e 40 minutos do dia 6, levou, horas depois, a uma calorosa apreciação da comunidade internacional à iniciativa americana, excepto o Irão e Rússia, pois esses expressaram devidamente a sua reprovação ao acontecimento. “As ações agressivas dos Estados Unidos contra um estado soberano são inadmissíveis e uma violação do direito internacional” referia o comunicado emitido pelo Ministério de Negócios russo citado no jornal El País, já do Irão lia-se no comunicado emitido pelo Iham al Harbil que: “Os Estados Unidos cometeram um ato de agressão contra a Síria que ultrapassa as linhas vermelhas. A partir de agora, responderemos com força a qualquer agressão ou violação de linhas vermelhas por quem quer que seja e a América conhece a nossa capacidade de resposta”. Ainda do lado russo, Serguei Lavrov, Ministro dos Negócios Russo chegou a comparar o ataque contra Assad à invasão do Iraque em 2003, na medida em que este também foi lançado sem a aprovação do Conselho de Segurança das Nações Unidas.


Os grandes apoiantes do regime sírio, Irão e Rússia, partilham a posição com outros como Líbano, Argélia, Iraque e Venezuela. São poucos face ao resto, mas permitem que Bashar al-Assad e as suas forças se mantenham ligados à máquina e apresentem pretensões ao controlo do território. Para se compreender a atitude americana é preciso recuar até á quarta-feira dessa mesma semana, dia 5 de abril, onde o mundo acordava, uma vez mais, para o horror provocado pela utilização de armas químicas na Síria, desta vez na cidade de Khan Cheikhoun (a noroeste da Síria). O Observatório Sírio dos Direitos Humanos confirmava ao final do dia que o número de mortos havia chegado aos 86. Mortes provocadas pela exposição ao gás sarin, que segundo versão oficial do regime, havia sido libertado no decorrer da explosão dos armazéns onde (supostamente) os rebeldes guardavam o seu arsenal de armas químicas, nomeadamente o gás sarin, criado em 1938 na Alemanha e proibido em 1993 pela Convenção sobre Armas Químicas das Nações Unidas (a convenção redigida e discutida em 1992, foi assinada em 1993 e só entraria em vigor a 29 de Abril de 1997). Assad chegou, inclusive, a declarar à France Press que o ataque de 4 de Abril tratou-se afinal de uma invenção por parte dos EUA, afim de encontrar pretexto para atuação. Bashar, reiterou a posição de que as armas químicas estavam em posse dos “rebeldes” e que os aviões das suas forças não pulverizaram civis com gás sarín, admitindo também que toda a espécie de armas químicas havia sido destruída depois do sucedido em agosto de 2013. Há época, a Russia, como potência aliada do presidente sírio, ficou responsável por assegurar perante a comunidade internacional a destruição de toda e qualquer arma química em posse das forças de Assad.


Apesar das várias organizações e observadores no terreno, persiste ainda a dúvida sobre se os acontecimentos do dia 4 de abril se tratam, efectivamente, de um ataque, bem como, da posse das armas. Recorde-se que após os desenvolvimentos de agosto de 2013, também marcado pela utilização de armas químicas (gás sarin) em civis e que conduziu à morte cerca de 494 pessoas (de acordo com os vários dados lançados pelos centros médicos a operar), o conflito entrou numa nova fase e a Rússia passou a estar em campo. Tal acontecimento, foi também atribuído às forças de Bashar al-Assad e causou de imediato uma condenação generalizada por parte da Comunidade Internacional. Motivou a entrada em acção de uma equipa de 20 peritos liderados pelo cientista sueco Ake Sellstrom (a equipa aguardava há quatro meses autorização do Presidente para entrar na Síria) afim de investigar as circunstâncias do sucedido. A Rússia posicionou-se favorável ao regime de Damasco e fez recair a culpa sobre os “rebeldes”. Apesar de a Síria ser um dos sete países que não aderiu à Convenção da ONU, a confirmação por parte de Damasco de que eram portadores de tais armas, bem como a inevitável suspeita representou o cruzar da “linha vermelha” que Obama estabelecera em 2012 a prospósito da ultização de armas em civis.


Actualmente, há dois problemas essenciais a resolver no Médio Oriente, o Daesh e o parco regime sírio. O primeiro não acolhe apoiantes, pelo menos oficias. O segundo, do Irão e da Rússia, facto que complica particularmente a situação – especialmente em sede de Conselho de Segurança da ONU (onde a Rússia tem poder de veto). Não deixa, no entanto, de haver hipótese de termos uma estratégia que permita alinhar os vários “players” e as respectivas forças. Assad pode ser essencial para resolver o problema do Daesh e bem sabemos que a estratégia de Obama passou por apoiar, treinar e financiar forças locais para que pudessem ser elas mesmas a resolver a mudança e a suportar o “pós-conflito”. Não obstante, convém relembrar que esta situação torna o conflito mais durador, violento e intenso. Uma intervenção militar na Síria, no Iraque, no Afeganistão ou até na Líbia para pôr fim ao Daesh pode e deve ser feita, desde que se saiba que o bombardeamento não implicará perda de vidas civis e/ou de forças aliadas. O bombardeamento de ontem provou que tal é possível, pois recorreu-se a um tipo de bomba conhecido por fazer grandes estragos em profundidade, bem como, uma especial precisão de alvo. Comparando o despropositado e imaturo ataque do dia 6 com o de ontem, percebe-se que em matéria de risco o primeiro atinge níveis preocupantes, já o segundo acaba por ser mais consensual.


Estamos em “Estado de sítio”. As relações EUA-Rússia e o posicionamento da marinha norte-americano junto à península coreana fazem elevar a escala de perigo. Os tempos já não são de confiança.


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