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Os dramas de Theresa May


Dia 8 de junho, dia em que se realizará a “general election”, eleição que decide o primeiro-ministro do Reino Unido, antecipada por Theresa May. É coerente perguntarmo-nos o porquê de tal adiamento? Porque razão uma eleição que só deveria acontecer daqui a três anos foi antecipada para o mesmo momento em que Londres joga o seu futuro e, em particular, as garantias de protecção dos interesses dos britânicos? Será uma tentativa de May se livrar do vórtice de inseguranças e dificuldades em que o Reino se encontra desde que foi conhecido o resultado do fatídico referendo? Quererá May seguir o exemplo de outros compatriotas seus que em oportunidade útil abandonaram a hipótese de liderar os destinos da nação num momento tão conturbado?


As respostas não me parecem assim tão difíceis quanto se possam pensar, uma vez que não há ninguém, ou practicamente ninguém, que por esta altura tenha dúvidas quanto à difícil tarefa em que se transformarão as negociações pelo “brexit”, a começar pela incerteza que paira sobre a possibilidade de a economia britânica continuar a aceder ao mercado comum da zona euro. Desde o passado dia 29 de março, dia em que May invocou o artigo 50º do tratado de Lisboa, que se admite a possibilidade de por um lado, o Reino Unido desempenhar um papel meramente económico no seio da União, como já fazem os Estados (Suiça, Noruegua, Liechtenstein e Islândia) que integram, actualmente, a EFTA (European Free Trade Association) e que permite que estes quatro (em causa estão cerca de 370 milhões de consumidores), não fazendo parte da União Europeia, acedam ao mercado comum europeu e integrem o Espaço Económico Europeu. Sendo esta realidade apenas admitida, em especial, pelo lado europeu, pois May num discurso proferido em janeiro deste ano, na Lancaster House (mansão perto do Palácio de Buckingham onde, ironicamente, Margart Tatcher anunciou a adesão do Reino Unido ao mercado único europeu) admitia a hipótese de se seguir um modelo diferente dos existentes, colocando de lado a obtenção de um estatuto semelhante a um dos quatro membros da EFTA.


Em segunda prespectiva, aparece a hipótese de um desmembramento do Reino de Sua Majestade. O referendo na Escócia é uma realidade possível no outono de 2018, data em que se espera que o dossiê brexit esteja prestes a entrar na recta final e os escoceses possam já conhecer de que linhas será feito o seu futuro para assim decidir se saem ou ficam. Aparentemente, se a estratégia May for bem sucedida e o acesso ao mercado comum europeu ficar assegurado, o referendo pode ficar de lado. Aqui coloca-se, entretanto, outra questão: quem terá a palavra final sobre o referendo na Escócia? Ora, o parlamento britânico, aquele onde agora May joga o destino do seu governo, do seu “brexit plan” e de tudo o resto.


Mas vamos às contas, Theresa May percebeu que precisa de ser legitimada, o seu governo entrou na corrida quando já o dilema britânico fazia manchetes e a saída à pressa de Cameron não ajudou em nada à precária união dos “Tories” (partido conservador britânico). May apareceu como um mal menor e de certo, alguém que prometia fazer do “brexit” um sucesso. Para além de ter percebido que o reforço da sua posição maioritária no parlamento lhe faria falta para manter a união do Reino (ao bloquear a hipótese do referendo, mesmo tendo admitindo a possibilidade de se fazer o referendo lá para 2019, mas nunca neste momento – o braço de ferro com Nicola Sturgeon, a líder do governo autónomo escocês, estava criado) e reunir esforços para fazer face à previsível intransigência europeia nas negociações, lideradas no lado europeu por Michel Barnier, ex-ministro dos negócios estrangeiros francês.


O momento em que as eleições para a liderança do próximo governo acontecem não aparenta ser aconselhável à realização das ditas, isto se não tivermos em conta o facto de, segundo sondagens do YouGov para o The Times, os conservadores liderarem as intenções de voto com uns redondos 44%, já o “Labour”, o principal adversário dos conservadores, com uns débeis 23%. May escolheu bem o momento, dado que a confirmarem-se os dados da sondagem a que o Financial Times também deu eco, os “tories” terão direito a mais 56 lugares, atingindo, assim, os 387 lugares. Os trabalhistas do “Labour” correm o risco de perderem cerca de 59 lugares, ficando-se apenas com 173 lugares (recorde-se que actualmente o “Labour” tem mais de 200 lugares na câmara dos comuns). O UKIP, na mencionada sondagem, recolhe apenas 10%, o que lhes dará menos de 10 lugares.


A primeira-ministra britânica parece mesmo estar em alta, já que para uma sondagem solicitada pelo Observer, publicada nesta mesma semana, só 14% dos inquiridos admite optar por Corbyn num duelo entre o líder trabalhista e a primeira-ministra conservadora que na referida sondagem obteve o esmagador resultado de 47% de preferência face ao opositor. Tudo dito relativamente à aprovação por parte dos britânicos da liderança de Corbyn. Viu-se o desempenho do líder do principal partido da oposição no referendo, e apesar de eleito com relativa aclamação pelas bases militantes do “Labour”, Jeremy C. não aparece como líder provável do “barco inglês” frente às negociatas europeias. Alternado entre a indiferença de uma substancial parte do eleitorado e a efusividade de outra parte, ao actual do líder do partido de Tony Blair é lhe merecida uma nota negativa pela incapacidade de preparar o partido para assumir o poder ou pelo menos mostrar o seu partido como uma alternativa viável à direita. Perdido, isolado e reticente, Jeremy Corbyn poderá ver o fim da linha da sua liderança, já que a sua saída é um mal menor face ao sério risco de seguir caminho semelhante a outros partidos de esquerda europeus que sofreram uma espécie de “pasokisação”, tal como aconteceu com o Pasok (na Grécia e ao que se deve a rotulagem do fenómeno), em certa medida com o PSOE (em Espanha), e o PVdA (na Holanda) que viu o seu lugar no complicado xadrez político holandês ser reduzido para sétima força política. Os três pertencem à mesma família politica do PS português e do PS francês (este também desencontrado com tempos de maior graça) e ilustram o declínio da esquerda centrista, apesar de Corbyn não ser um típico líder de partido de centro-esquerda, pois há quem o veja demasiado à esquerda para um partido como o “Labour”.


Ontem no Guardian, Anne Perkins escrevia que “This is no general election, it’s a coup”. Com ou sem golpe, cedo se percebeu que há um caminho livre para o reforço da posição de May nos líquidos trilhos do poder, sem obstáculos alguns pela frente, à excpeção dos interesses de Bruxelas. Perkins no mesmo texto alertava também para o que aconteceu com o “Labor” em 1931, em que ficou excluído das lides do poder por mais de 10 anos. Há data, tinha apenas 52 lugares. O ciclo corre o risco de repetir-se e não há ninguém que salve os trabalhistas de uma desgraça anunciada. Um novo Tony Blair precisa-se, com urgência. Desconheço o que por ocorrerá dentro da cabeça do líder trabalhista, pois estratégia não consigo vislumbrar e ideias para o brexit poucas aparenta ter. Se as obras de arte descrevessem políticos, Corbyn seria o “menino da lágrima” – o famoso quadro do italiano Giovanni Bragolin. No meio de tudo isto, ainda mais extraordinário, foi o facto de aquele que deveria ser o farol político da oposição acolher com “bom agrado” a antecipação das eleições, provavelmente não deve ter dado conta de o perigo que se avizinha para as suas hostes. Lá está, tudo bate certo e a confiança da senhora May levou-a a optar pela jogada que poderá reverter a precária maioria que hoje detém e assegurar que o barco segue a rota desejada. Estabilidade, legitimidade, confiança e segurança é o que move a decisão de antecipar as eleições, os eleitores, esses parecem estar dispostos a dar confiança, de novo, a um governo conservador. Sem certezas e verdades absolutas, a história do referendo britânico é a história de um povo que decidiu atirar-se para um precipício, mas em que apenas metade concordou com a aventura. Os outros, mesmo que em minoria, foram arrastados, sem pedir, para o ciclone que não deixará ninguém ileso e mesmo que May tente recompor a sua “armadura” para lutar contra as intempéries que se avizinham, ninguém, absolutamente ninguém, escapará ao furacão. O sonho de reerguer a “nação de comerciantes” que outrora o Reino Unido foi, alimenta a alma dos “brexiters”, aos quais nada mais se lhes pode pedir excepto que desçam à terra para que percebam que o século XIX já lá vai. O brexit não é o acontecimento da década, é apenas mais um drama de May e dos europeístas, esses que ainda acreditam na “passarola” da Europa.


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