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O Mundo Como Sobreviver


A Maria diz-me que vivo na Lua – não como se fosse uma coisa boa, mas como se estivesse sempre longe.


Ela diz-me que sou demasiado ingénua – não como uma coisa boa, mas ingénua do tipo a-vida-vai-partir-te-ao-meio-tão-facilmente.


Ela diz-me que sou uma idealista. Não como uma coisa boa, mas como se eu acreditasse que posso mudar o mundo quando na verdade, não posso. Na medida em que os meus sonhos não devem ser maiores que eu. Que até posso salvar esta rua, mas assim que virar a esquina, a outra estará a destruir-se.


Ela diz-me que sou sensível. Não como uma coisa boa, mas como se as minhas emoções levassem o melhor de mim e isso fosse sinónimo de fraqueza.


Ela diz-me que sou crítica. Não como uma coisa boa, mas como se devesse apenas resignar-me, conformar-me, como se este Universo não devesse ser questionado e tudo o que ela vê é uma lunática a lutar por causas perdidas. E bem, ela está a adivinhar que alguém vai ter que limpar os cacos no fim.


Ela diz-me que ligo a coisas que não devia. Que me deixo fascinar. Com o pôr-do-sol, por exemplo. Afinal, todos os dias há um.


Ela diz-me estas coisas e foca-se no mau lado dos adjectivos. Ela… o mundo não tem sido muito gentil com ela. Ela tem paredes altas. E bem, não acho que alguém alguma vez tenha feito um grande esforço para as trepar. Então ela ficou ali, do lado de lá, onde o mundo se assemelha mais sombrio.



Ela diz-me estas coisas e não vê que me está a cortar as asas.



Sim, eu sou uma lunática. Eu vejo coisas más à minha volta, mas prefiro apontar para as estrelas, sempre.


Sim, sou ingénua porque escolho ver o lado bom das pessoas – mas sabes que mais? Não estou errada de todas as vezes.


Sim, sou uma idealista, mas não me limito a sonhar – atrevo-me a fazer alguma coisa. Não suportaria apenas ficar a observar.


Sim, sou sensível, mas também sou forte e é preciso coragem para estar num lugar como este, em que cada coisa, a cada segundo, te quer obrigar a afiar as tuas extremidades.

E sim, ainda fico fascinada com o pôr-do-sol. Sabes que mais? Fico mesmo. O rosa nunca é igual. Nunca toca o céu nos mesmos pontos.


E sim, eu choro a ver filmes e falo com animais e quero salvar tudo à minha volta e eu sei que, um dia, vais ficar orgulhosa disto em vez de assustada.


E sim, eu sou essas coisas todas, mas pára de ter medo. Este mundo não me vai partir ao meio. Não me vai engolir inteira. Eu aguento. Eu volto. Uma e outra vez. Eu posso limpar os meus próprios cacos, pô-los no sítio um a um. É o que sempre fiz. Irei fazê-lo novamente.


E desculpa, Maria, mas tenho de voar.


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